sábado, 25 de dezembro de 2010

O casulo

Chamava-se Butterfly. Quem lhe deu o pitoresco nome foi o pai, um excêntrico engenheiro, projetista de aeronaves, que sumiu no mundo quando ela contava cinco anos de idade. Um ano depois, a mãe suicidou-se. Foi criada pelos tios desde então. Tornou-se uma jovem esquiva, pouco comunicativa, que ficava boa parte do tempo trancada em seu quarto lendo, ouvindo música e divagando em elucubrações. No dia em que completou dezesseis anos, formou-se um conselho de família. Tio Heitor, grave como o tuberculoso histórico que era, decretou: “Deve se casar. Casando, se endireita!”


Ela, miúda, magrinha, rosto muito pálido, jamais dera pelota ao sexo oposto. É bem verdade que foi mantida reclusa durante toda a infância, estudando em internatos de meninas e criada sob os olhares de mordomos, babás, motoristas. Mas agora, diante dos partidos que se apresentavam, demonstrava a mais patética e aterradora indiferença. Com um rapaz loiro, de rosto corado, filho de um industrial, chegou a ser taxativa: “Agradeço seu interesse, mas as coisas que você me diz definitivamente não me importam”.


Tal comportamento, que parecia resoluto e definitivo, desesperou a família. Tia Cassilda, a mais progressista daquela família conservadora, propôs o que lhe parecia uma solução, após fazer suas constatações: “Prendemos demais a menina. Acho que chegou a hora de deixá-la caminhar com as próprias pernas”. Na falta de saída melhor, resolveram “entregar nas mãos de Deus”. Organizou-se uma agenda social para Butterfly. Passou a freqüentar festas, inicialmente na companhia das primas. Cortejada pelos rapazes, continuava a esnobá-los, porém agora com encenada simpatia e divertida curiosidade. Permitia sua aproximação, dançava com eles, para depois desprezá-los, aturdi-los e humilhá-los com um requintado ar de desinteresse.


O tempo foi passando, a família já aceitava a idéia de mandá-la a um convento. Um dia, saiu para passear com as primas, caminhavam pela orla da praia. Viram, caído na calçada, um mendigo. Seu rosto adquirira um tom esverdeado, os cabelos eram cinzentos e imundos, os trapos esfarrapados que cobriam seu corpo pareciam estar se desfazendo. As primas, com asco, apertaram o passo, mas ela se deixou ficar, fascinada, olhando aquele pobre homem. Foi preciso que a puxassem e ela, já longe, ainda virava o pescoço para trás, olhando aquela criatura como se fosse um anjo que a chamasse. Nos dias seguintes, se apresentou mais silenciosa do que já era. As tias julgaram que perdera de vez o juízo. Num sábado, quebrou o silêncio: “Quero exercer minha verdadeira vocação. Quero ajudar as pessoas”. Não se opuseram. Comprou-se um grande carro, alugou-se uma casa. Escolheram o nome, que mandaram gravar numa placa: “Lar de Desvalidos ‘São Judas Tadeu’. Ia pessoalmente ver os internos, pessoas sem família que recolhiam das ruas, onde antes viviam doentes, esfarrapadas, fodidas.


Mudou. Tornou-se, desde então, radiante. Os tios se chocaram quando, durante um jantar, contou uma anedota. Era uma coisa inimaginável, logo ela, que nunca sorria, que não achava graça em nada. Achavam, positivamente, que ela tivera sua epifania na caridade. Deixaram de importuná-la com preocupações de casamento. Todas as tardes ela passava no abrigo e, um dia, chegou à casa acompanhada por um rapaz, muito alto e distinto. Os tios a tudo assistiram pela janela. Perguntaram quem era e ela respondeu: “Um amigo. Tem me ajudado no abrigo”. Não fizeram mais perguntas. Todos os dias, porém, o amigo a trazia em casa e, um dia, foi convidado a entrar e jantar com a família. Acharam-no formidável, educadíssimo. E nitidamente apaixonado por Butterfly. Contrariando todas as expectativas, quando lhe sugeriram que ele daria um bom marido, Butterfly acedeu. E noivaram. Um ano depois, se casaram com todas as pompas esperadas. Não partiram para a lua-de-mel: Butterfly não queria se afastar do abrigo. Achando que ela progredira demais, que era outra mulher, preferiram não discutir. O próprio marido, um anjo de candura, concordou. Faria-lhe todas as vontades.


Foram da igreja para casa, e ela causou-lhe a primeira frustração: alegando muito cansaço, deitou-se na cama e dormiu. Apaixonado e paciente, ele não insistiu. Teriam a vida toda. No dia seguinte, a mesma coisa: “Trabalhei o dia todo, atendemos um leproso no abrigo. Não tenho cabeça para isso”. Na terceira noite, ele se doeu. Alguma coisa não lhe cheirava bem. Deitou-se junto a ela, tocou-lhe o seio. Ela deu um berro aterrador, que lhe paralisou:


“Não me toque! Eu te proíbo! Você não me tocará nunca, está ouvindo? Nunca!”


Ele entrou em desespero. Não sabia o que fazer. No dia seguinte, trancou-se à chave com Tio Heitor, Tia Cacilda, Tia Amélia. Relatou-lhes o que acontecera aos recém-casados. Tio Heitor resmungou um palavrão. Dirigiu-se a ele:


“Tenha santa paciência! Você dorme com a minha sobrinha na mesma cama e não consegue despertar nela o menor desejo? Que tipo de homem é você?”


Quase botou-lhe pra fora, aos pescoções. No fundo, não queria mais nem ouvir falar daquela sobrinha. A partir do momento em que disseram “sim” no altar, aquele pepino deixara de lhe pertencer. Tia Cacilda, sempre mais sensível aos problemas dos outros, foi ter com ele à porta:


“Calma, Carlos. Minha sobrinha é diferente das outras moças, você bem sabe. Trabalha com ela no abrigo, deveria saber já disso...”


Ele a interrompeu, surpreendido:


“Trabalho com ela no abrigo? Quem lhe disse isso? Jamais estive nesse tal abrigo. Conheci Butterfly na rua, quando despencou do céu um aguaceiro e eu corri a acudi-la com meu guarda-chuva.”


Só então Tia Cacilda deu-se conta: conheciam muito pouco aquele rapaz, e a pequena mentira contada por Butterfly sobre a origem da relação dos dois não lhe cheirava bem. O que a garota poderia esconder? Tia Cacilda finalizou a conversa dizendo que tudo ia se resolver e voltou para o interior da casa, com o rosto muito grave, pensando numa série de possibilidades.

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Irritado com a infrutífera conversa que tivera na casa da família da esposa, Carlos esperou que ela se recolhesse. Como todas as noites, no escuro, ela despiu-se e vestiu a camisola. Deitou-se. E então aconteceu: Carlos a agarrou, arrancou suas roupas e as dela. Aquele rapaz, sempre tão cortês, doce, transfigurava-se no monstro. Ela quis gritar, uma mão sufocou sua boca. Em seguida, empurrou sua cabeça em direção ao baixo-ventre, obrigando-a a iniciar a felação. Uma péssima idéia. Butterfly, bicho feroz, mordeu-lhe o pau. Ele soltou um grito lancinante, sua visão ficou turva. Ela aproveitou para correr e trancar-se no banheiro. Lá ficou a noite toda. O incidente demoveu Carlos de futuras tentativas. Com o caralho inchado e dolorido, passava os dias parado na repartição em que trabalhava, o olhar perdido, a mente longe. Amava Butterfly com todas as suas forças, mas agora tinha certeza de que a recíproca não era verdadeira. Tinha para si, agora, que fora usado para fins escusos, para ludibriar a família, a sociedade, o diabo. Resolveu ir ao abrigo comunicar à esposa que não toleraria aquela situação.

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Era tarde quando chegou ao lar dos desvalidos. Todos os funcionários haviam partido. Porém, ele tinha uma cópia das chaves, que mandou fazer à revelia de Butterfly e que um dia poderiam ser úteis. Foi abrindo as portas que davam acesso à ala dos internos. Ouviu, do corredor, gemidos. Imaginou que um casal de mendigos estivesse fornicando, embora as alas dos internos fossem separadas por sexo. Curioso, dirigiu-se para o lado onde ouvia as vozes e estacou, petrificado. Reconheceu a voz de um dos gemidos. Por um instinto mórbido, quis se certificar. E viu, pela janelinha da “cela”, deitados na cama, Butterfly e um homem. Devia ter mais de sessenta anos. Tinha os cabelos desgrenhados, barba grande, o corpo de uma coloração bege-escura. Carlos colou o rosto naquela passagem e viu, nítido, o grosso cacete ensebado e cheio de marcas do ex-morador de rua invadindo a delicada vulva de sua mulher. Ficou sem ar, caiu de joelhos, ofegando.


Em casa, na companhia da mulher que agora sabia adúltera, ficou taciturno. Não dirigiu-lhe palavra. Dormiam em quartos separados desde a tentativa de castração. Vez por outra, durante o jantar dessa noite, fitava-a com ódio. Ela captou sua fúria, mas não tinha coragem de lhe dizer nada.


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No dia seguinte, pediu a um amigo de confiança que lhe indicasse um detetive. Queria saber tudo o que a mulher fazia: onde recolhia os mendigos, se mantinha relações com eles apenas no abrigo, se tinha outros amantes na rua. O detetive, daqueles de estórias em quadrinhos (só faltavam-lhe a lupa e o cachimbo), tinha seu marketing mais forte justamente no esteriótipo. Apareceu duas semanas depois com os resultados. Disse ao contratante:


“Amigo, eu já vi de tudo nessa vida, nessa minha profissão. Mas sua mulher me deixou besta. Já diria o profeta: o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão. Acho que o apocalipse está chegando aí, pra transformar as putas em santas e as santas em putas”.


Estendeu-lhe um envelope com fotos.


“Deposita o restante na minha conta. E, precisando de algo mais, pode me procurar”, frisou o investigador, antes de apertar-lhe a mão e sair.


Sozinho na repartição, ele tinha medo de abrir o envelope. Seu coração ia à boca. Afinal tomou coragem, quase rasgou o invólucro, alucinado, febril. As imagens, num turbilhão, invadiram seus olhos com matizes de pesadelo. Eram fotos de sua mulher, sua linda, pálida e pequena mulher, com os tipos mais esdrúxulos. Mendigos da mais decadente precariedade. Um mecânico negro, caolho, sujo de graxa. Um tipo esquálido, com cara de retirante, avental de uma peixaria. Um perneta. Um jovem com síndrome de down. Um anão. As primeiras fotos eram flagras dela passeando publicamente com os sujeitos, entrando ou saindo de edifícios. As últimas, que o detetive astutamente deixou para o final naquela seqüência, como se fora um álbum de terror, eram provas cabais: sabe-se lá como, fotografou Butterfly no coito com alguns dos amantes.


Ele ficou um tempo paralisado, o olhar perdido no nada. Então voltou a si. Tirou da gaveta o revólver. Da rua, ouviu-se o estampido.

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Ao saber do ocorrido, Butterfly correu ao hospital. Os tios a olharam com nojo: tio Heitor tinha no bolso o envelope com as fotos, encontrado sobre a mesa do suicida. Ela se dirigiu ao quarto, na porta encontrou um médico, que lhe explicou:


“A bala atravessou-lhe a têmpora. Não morreu por milagre. Mas... nunca mais será o mesmo. Lamento”.


Invadiu o quarto. Chorou diante do infeliz marido. Ficou ao lado dele durante todo o período em que ficou em coma. Muitas semanas depois, levou-o para casa, numa cadeira de rodas. Estava em estado vegetativo, babava. Ela lhe dava banho, lhe dava de comer, limpava seus excrementos, com um lenço ia recolhendo a saliva que lhe escorria pelos cantos da boca. Enfim o amava.


Por Rafa Gimenez.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Corpo a Corpo

Um Romeu e Julieta dos novos tempos. Com menos glamour, uma família mais numerosa, formada por correligionários, mas o pano de fundo nos remete ao romance Shakesperiano.
Nilma, uma mulher forte, autoritária e viúva. Bem nascida, ingressou na política durante o Golpe Militar e tomou gosto pela coisa, se tornando referencial no país. João, um homem pacato, casado e pai de dois filhos adultos. De origem pobre, se tornou militante estudantil na década de 60, quando ingressou na faculdade. E lá a conheceu.
Viveram um romance tórrido. Entre um protesto e outro, a ditadura endurecia mesmo. Ficaram conhecidos como “casal do golpe de 69”.
Quando as coisas ficaram difíceis para os jovens políticos, ele foi para a Itália. Ela, que sempre teve uma personalidade mais forte, ficou no Brasil e acabou sendo presa. Trocaram seus nomes, perderam o contato e nunca mais se ouviu falar no “casal do golpe de 69”.
O tempo passou e, 30 anos depois, o destino deu conta de promover o reencontro, porém em lados opostos da política. Agora já era tarde: partidos rivais, líderes inimigos e ideais diferentes. Estavam tão diferentes que, a primeira vista, não se reconheceram. Porém o insensato destino guiou-os pelo caminho da eleição presidencial e promoveu o reencontro no primeiro debate em TV aberta. Nilma não acreditou no que seus olhos viam. O olhar cansado e a careca lustrosa em nada lembravam aquele jovem João de 30 anos atrás. E João, fitando os olhos naquelas ancas largas e seios fartos, não acreditava que a Nilminha que deixava a dita-dura estava ali, na sua frente. Lembraram dos tempos de militância juvenil, que sempre terminava em sexo. De companheirismo e reciprocidade política e sexual. E agora estavam ali, em lados opostos, buscando um prazer individual.
Cumprimentaram-se com um beijo seco, mais um toque de bochechas que propriamente um beijo. Afinal, o que seus companheiros de partido fariam se soubessem que eles tiveram um caso de amor? Limitaram-se ao discurso pronto, com farpas para todos os lados. Mas não deixaram de pensar um no outro, nem por um minuto. Entre uma réplica e uma tréplica, João se lembrava daquela menina rebelde rebolando no seu pau e gritando palavras de ordem. Nilma era uma porra-louca mesmo, ele sabia disso. Da mesma forma que era politicamente ativa, o era no sexo. Ela tomava as decisões e manuseava seu pau como ninguém. Assim como protestava altivamente no microfone, chupava com maestria o microfone de João. Ele, meio tímido, mas não menos ativo, também gostava de dominar a situação. Puxava Nilma pelos cabelos para trás de qualquer palanque e fodia intensamente, como se aliviasse ali sua revolta com o sistema.
E agora estavam frente a frente, sem poder se tocar. João mal conseguia se concentrar nas perguntas e, antes do final do primeiro bloco do debate, já estava com seu membro rijo, em ponto de bala. Nilma lançava-lhe um olhar perverso, que ele conhecia muito bem, e o instigava cada vez mais. As respostas começaram a sair desconexas, os membros dos partidos não entendiam como aquele debate tinha descambado para assuntos pessoais e fora do contexto. Nilma sabia bem como provocar João, só não sabia que o tempo fora do país o tinha tornado um homem mais selvagem que aquele garoto de trinta anos atrás. Foi quando no terceiro bloco de perguntas, o inacreditável aconteceu. Cada candidato faria uma pergunta com tema livre. Trinta segundos para a pergunta, um minuto e meio para a resposta, um minuto para réplica e um minuto para a tréplica. Segundo sorteio realizado, João começaria perguntando:
- Nilma, em um minuto e meio, você é capaz de me fazer gozar como antes?
Todos estarrecidos na bancada. O cronômetro zerou os trinta segundos. Contagem regressiva para um minuto e meio. Nilma, com toda sua classe, chegou à frente de João, baixou suas calças e começou a chupar com maestria. A platéia se calou. Nilma lambia, enchia a boca e largava rápido, olhando para o cronômetro. Zerado o um minuto e meio, João confessou que a candidata quase cumpriu seu papel, mas era hora da réplica. João colocou-a de quatro na bancada e começou a comê-la ali. Puxava seu cabelo e enfiava com força, como não fazia há tempos. Na hora da tréplica, Nilma se lembrou de como eram conhecidos na época da Ditadura: “Casal do Golpe 69”. Um minuto de meia nove e um país inteiro estarrecido.

A emissora de televisão saiu do ar e ambos foram expulsos dos partidos, não por terem fodido em rede aberta, mas por se esquecerem que era pra ter fodido com o povo Brasileiro.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Sexo Tradicional*

* O conto que você lerá a seguir é de autoria de Letícia Soares, autora convidada que o "Estórias Gozadas" agora apresenta. Para ter seu texto publicado neste espaço, envie e-mail para o endereço: estoriasgozadas@gmail.com


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- E daí, que era tudo fantástico assim, sabe? Era uonderful, como ela dizia. Às vezes gostava de falar essas coisas em inglês, sei lá o por quê disso. Gritava uns “Fãqui mi, Fãqui mi rard”, que eu não entendia era bulhufas, mas me dava um tesão filhadaputa. E eu comia de tudo que era jeito. Metia na frente, atrás, de lado, por cima, de costas, menstruada, no cio, de tudo o que era jeito. E ela implorava “ieeees, iesss, mais, móri, móri”, e eu ficava pensando: Quem vai morrer sou eu... E gozava. Fiz coisas que nunca antes fazia. Sério mesmo. Um dia, cheguei em casa e a peguei pelada na cama lambendo outra mulher. Gritei: Meu Deus, que é isso? E ela levantou a cara toda lambuzada, deu um sorriso maroto e disse: “Desculpa, não deu pra te esperar, mai Love”. A mulher era perfeita. Tudo o que existe em matéria de trepar, ela sabe fazer. E eu acabei aprendendo foi tudo. Até hoje não sei como uma mulher assim, das finas, foi querer ficar comigo. Acho que esse meu jeito brutão meio que atrai as fêmeas. Sei lá. Só sei que nunca mais na minha vida vou comer algo como ela... Um cuzinho tão perfeito, uma boca tão perfeita, o jeito mais perfeito de ficar se remexendo debaixo de mim. Todo homem que se diz homem de verdade, precisa e muito de uma mulher daquelas... Achei até que estava me apaixonando. Até que tudo aconteceu...



- O quê? Tudo o quê? Sério, cara, você me conta de uma foda maravilhosa dessas e espera que eu compreenda por que não está mais com ela? A mulher topava tudo!


- Tem razão, tudo mesmo. Fizemos sexo de tudo que é jeito. Transamos até dentro do porta-malas do carro. Mas daí aconteceu... De um dia, eu chegar no apartamento dela e ter um jantar lindo e tudo mais assim. Umas comidas super engraçadas, um tal de charuto de repolho. Fiquei meio sem graça de comer, porque aquilo parecia mais um cacete, mas no fim, era gostoso e eu comi uns sete. E depois do jantar, ela me acariciou debaixo da mesa e me chamou pra fazer a digestão no quarto.


- Ai, que maravilha, ainda sabe cozinhar? E você não está mais com ela????


- Não mesmo e o problema foi mesmo o tal jantar. Daí que claro, topei a tal digestão a dois na hora. Falei: vou colocar meu supositório pra você se aliviar, e ela deu uma risada rouca “ieess”. E no meio do vai e vém, aquela coisa maravilhosa, comecei a sentir assim uns arroubos no estômago. Acho que era pedir demais para sete coisas com repolho se mexendo vigorosamente dentro de você não fazerem efeito, né? Tentei me concentrar o máximo que pude nos seus gemidos, na sua bundinha empinada, no suor e algo mais escorrendo pelas pernas dela, mas numa certa hora, não deu mais. Soltei um pum. Mas não foi um punzinho não... Foi um peido fedorento daqueles mais feios que bater na mãe em dia de sexta-feira da paixão. Não tinha nem como disfarçar. Eu praticamente me caguei.


- Puuutz, cara... Compreendo tudo agora. Nossa, que merda, hein? Literalmente. Foi por isso, claro, que ela te deixou.


- Não, não... Fui eu que decidi largar dela.


- O quê???? Quer dizer que ela ainda conseguiu perdoar toda a bosta, literalmente, que você fez?


- Não só perdoou como, na hora que sentiu o cheiro, se inclinou toda pra trás e gritou: “ISSO, MAI LÓVE, AGORA CAGUE EM MIM, CAGUE... IEEEES...” E foi daí que eu decidi acabar tudo. Porque sei lá, acho que pra mim, algumas coisas tem que seguir o tradicional, saca? Eu sou meio antiquado...


Por Letícia Soares

sábado, 19 de junho de 2010

Pega no drops do tio!

Dedicado ao amigo André Diniz.

Oliveira senta-se à mesa, acende um cigarro, está louco para que aconteça uma merda que o tire dali. Negócio é sair em diligência, nem que seja pra recolher presunto de chacina. Nessa altura da vida, a adrenalina já se tornou costume e o tédio é o pior inimigo. Entra Alencar:


“Oliveira, você foi designado para participar da Operação Homem do Saco. Os federais vão dar apoio. Vamos sair em cinco minutos!”


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A Operação Homem do Saco é a maior já montada no estado para o combate à pedofilia. Conhecida informalmente também pelos nomes de “Operação Michael Jackson” e “Pega no drops do tio”. Dezenas de suspeitos investigados, algumas prisões programadas. Nada muito espetacular, apenas uma resposta à sociedade. “A pedofilia é a grande praga desse século”, diz Alencar. “Já existia antes, mas as pessoas só ficam chocadas com isso agora. Lembra do caso do pedagogo?”


Oliveira se lembrava. A polícia recebeu denúncia, prendeu o responsável por um educandário, devassou a vida do homem, exposição pública, humilhação, vergonha. Depois, descobriram, era inocente. Tarde demais. Com a vida destruída, deu um tiro nos cornos.


“Lembro. Qual é o procedimento hoje?”


“Estamos indo nos encontrar com um informante. Codinome Garotinho. Na verdade, ele estará envolvido na operação. Tentou entrar pra corporação, mas não tinha altura suficiente. Tem quase trinta anos, aparenta doze”.


“Siga”.


“Se passando por garoto de doze anos, marcou encontro com um sujeito conhecido como Raul Gil. Golpista. Diz que trabalha como olheiro pro apresentador homônimo, seduz os pais com proposta de fama rápida pros guris, leva os meninos pra casa, papa eles”.


“Compreendido. Siga”.


“Garotinho quer uma chance no programa, por isso aceitou o encontro. Vai dizer pro Raul Gil que é emancipado”.


“O cara não vai cair”.


“Vai cair. É deficiente mental. Acredita mesmo que é empresário de talentos”.


“Siga”.


“Quando o Garotinho estiver na casa com o pedófilo, estouramos e damos o flagrante. Esse elemento é suspeito de mais de trinta crimes”.


“Não entendo uma coisa. Se ele é deficiente mental e já papou mais de trinta meninos, como não pegaram o cara antes? Não devia estar já num sanatório?”


“É protegido de um figurão. O cara sempre tira ele. Só fazendo esse esporro vamos conseguir engaiolar o cara”.


“Garotinho vai estar armado?”


“Vai. Uma 9 mm. Mas a gente não vai esperar ele usar. Há um sinal combinado. No sinal, a gente entra e faz o serviço. Tudo tranqüilo, a baba do boi”.


“Baba do boi”, pensou Oliveira. “Sempre que é baba do boi, dá merda”.

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À paisana, do lado de fora do restaurante, Oliveira fuma um cigarro. No carro, está Alencar. Mais dois veículos nas proximidades, com policiais paisanos. Dentro do restaurante, numa mesa próxima a do suspeito, mais um policial. O tempo demora a passar. “O tédio é o pior inimigo”, lembra Oliveira. Começa a divagar. O corpo de Laura, alvo, branquíssima brancura. Ela tira a blusa, olhando nos seus olhos, passando a língua nos lábios. Mexe lentamente os quadris, sua cintura de cobra coral rastejante, esguia. “Larga essa vida e vem viver comigo”, pedia. Laura não dava atenção, “vem meu policial gostoso, pega a tua putinha de jeito”. O pau de Oliveira fica ereto dentro da calça, ele sente repulsa. Nunca se distraiu numa operação. Além do mais, Laura estava fodendo com um colega do departamento. Vadia”.


Vê o sinal irritado de Alencar, olha para a entrada do restaurante. Garotinho vai saindo, seguido por Raul Gil. Disfarçadamente anda na direção do carro, entra. Raul Gil e Garotinho entram num carro, saem.


“Não vamos seguir, pra não dar brecha. O endereço do puto é conhecido, já tem gente nossa lá. Vou pegar outro caminho”.

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Recebem uma mensagem de rádio:

“Alencar, o suspeito está desconfiado. Parou o carro num posto a duzentos metros do local do restaurante. Desceu do veículo, ficou olhando ao redor. Depois saiu com o veículo retomando a rota. Por enquanto, segue a rota pro local de domicílio. Estamos no encalço. Entendido?”


“Soares, mudança na operação. Sai daí. Não quero mais ninguém seguindo o cara. Estou a dez minutos do domicílio dele, tenho certeza que ele vai pra lá. Manda nosso pessoal sair de lá e ficar na rua transversal. Não quero ninguém seguindo o veículo. Repito: não sigam o veículo. Entendido?”


“Positivo, Alencar”.


“Alencar, isso tá esquisito”, Oliveira.


“O cara vai pra casa dele, e a gente pega ele lá. Tudo dentro do plano”.

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Cortando caminho, chegam antes do suspeito e estacionam próximos à casa. A casa é um barracão com quintal, numa rua escura. É noite.


“Porra, é aqui que o cara mora? Que merda, hein?”


“A fachada do sujeito só vai até o carro e o cartão de visitas.”


“E o tal figurão, que protege o elemento?”


“Tá pouco se fodendo. Devia favores pro cara, deu o carro. Dá uma grana mensal, que o puto gasta nos almoços e jantares com os pais dos moleques. Tira ele da cana sempre que o cara vacila, porque tem o rabo preso e sabe que o papa-anjo pode dar com a língua nos dentes”.


“Incrível como é fácil enganar otário”, pensa Oliveira. “No entanto, eu seria um bom pai, mas nunca botei filho no mundo”. Pensa novamente em Laura. Laura é uma puta, mas ele queria ter um filho com ela. Alencar corta suas elucubrações:


“Caralho... Estão lá tem quinze minutos, nada do sinal”.


“A baba do boi, né? Filho da puta”, pensa Oliveira. “Segura a onda”, diz em voz alta.


“Vai tomar no cu, Oliveira. Segura a onda o caralho!”


Uma tensão começa a surgir entre os dois, mas logo é cortada por outro carro que se aproxima. Oliveira abre a porta lentamente e se esgueira para fora da viatura.


“Oliveira!”, sussurra Alencar. “Volta, porra!”


Oliveira segue se esgueirando, engatinha e se oculta na sombra de um muro. Está próximo do carro que chegou. Dentro dele, um casal. Consegue ouvir seus sussurros. Sente a presença de alguém, é Alencar atrás dele:


“Filho da puta!”


Oliveira faz um sinal com as mãos, mandando Alencar se calar. Os dois observam o carro estacionado. Os sussurros aumentam. Veem claramente: ele, um homem jovem, vinte anos no máximo. Ela, uma mulata. Estão pegando fogo. A mulher já está sem a blusa, tem seios volumosos. Palavras obscenas facilmente são compreendidas pelos policiais. Ambos se esquecem, por alguns minutos, do que foram fazer ali.

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Garotinho se debate, tentando escapar das garras de Raul Gil. Este é meio mulato, forte, enorme, e o subjuga com facilidade. Com os joelhos, segura as pernas de Garotinho no chão. Prensa seu corpo contra o dele, se esfrega. “O tio não vai te machucar, meu menino”. Garotinho se revolve e urra. “Você vai ser uma estrela, menino”. Garotinho sente a enorme pica de Raul Gil penetrando seu ânus, e uma dor lancinante quase o faz desmaiar. Quer gritar, mas sente o vômito lhe tomando conta da garganta e subindo pra boca. “Ah, ah ah, meu menino”, Raul Gil repete, arfante.

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O casal prende a atenção dos policiais, até que ouvem tiros. Correm, cercam a casa. Alencar arromba a porta, se assusta com o que vê: Raul Gil crivado de balas, Garotinho sentado, nu, com o rosto entre os joelhos, mais garotinho do que nunca. Ergue a cabeça, vê os policiais:

“Seus filhos da puta! Onde vocês estavam, porra? O cara comeu meu cu! O cara comeu meu cu! O cara comeu meu cuuuuuuuuuuu, porraaaaaaaaaaaaaa!”


Oliveira se aproxima, dá um tapa no rosto de Garotinho, que volta a si. Silêncio durante alguns segundos. Depois murmura, choroso: “o cara comeu meu cu...”


“A baba do boi”, pensa Oliveira.

“Minhas sentidas desculpas, Garoto. Você passou o acusado, mas pega nada pra ti. Vai nessa que a gente limpa a barra”, disse Alencar. Garotinho o olhou com ódio:


“É o mínimo, né? O cara comeu meu cu”.


“Vira o disco, porra”.

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Oliveira chega em casa, molha o rosto, lembra-se do casal fazendo sexo na rua escura e do pobre Garotinho chorando depois da curra. “Chega dessa merda”, pensa. “Amanhã peço baixa”. Decide procurar Laura, tirá-la da vida, ter um filho com ela. Dorme com o 22 na mão esquerda, desamparado na poltrona. Sonha com Laura e sua branquíssima brancura.


Por Rafael Gimenez.

sábado, 12 de junho de 2010

Dois em Um

Só de pensar que conheci o Lucas em um chat, mesmo eu não sendo adepta a entrar nessas coisas, me faz acreditar cada dia mais que é coisa do destino. Entediada e sem dinheiro, num fim de semana chuvoso, e lá estava ele com o Nick “grudado em você”. Começamos a conversar sobre futilidades e vimos que tínhamos muita coisa em comum.
Faz mais de seis meses que nos falamos, seja por MSN, Orkut, SMS e raras vezes por telefone. O ruim de falar com ele por telefone é que ele tem um irmão muito, mas muito mala que fica gritando ao fundo. Aliás, não entendo bem essa relação dele com o irmão. Parece-me que eles são muito unidos, são gêmeos, mas o irmão é completamente diferente. Se chama Matheus. Um cara excêntrico, pelo que Lucas diz, mas ele não fala mal diretamente. Deixa as coisas um meio subentendidas.
Lucas é doce, atencioso, gosta de literatura, cinema e diz coisas coesas. Só é muito tímido. Sabe, em seis meses de conversa ele nunca me chamou pra sair. Eu tive que insistir muito para que a gente se conhecesse. E até hoje ele me mandou uma única foto, 3x4. Ele é lindo. Nunca cobrei uma foto de corpo inteiro, mas acho que já estou apaixonada e nada fará eu deixar de gostar dele, mesmo que ele tenha uma barriga enorme, ou pés chatos, ou talvez não tenha uma das pernas.Enfim, acho que encontrei minha cara metade.

- Eu conheço essa história de cabo a rabo! Tome cuidado, Luana. Você sabe muito bem que, hoje em dia, os loucos estão por ai na internet, se fazendo de bonzinhos. São lobos em pele de cordeiro. Ontem mesmo passou no jornal o caso da moça que foi conhecer o namorado virtual de 3 anos, três anos de namoro virtual, imagine. E ele matou a coitada estrangulada, cortou os pedaços com um canivete e colocou dentro de um saco de dormir, ainda mandou para os pais pelo correio.
- Credo e cruz, Cris. Deus é mais!
- Sério, tome muito cuidado com essas coisas. Além disso, tem aquela conversa do irmão dele, que é estranho... Aliás, o irmão dele vai?
- Não tive coragem de perguntar, Cris. Pelo que ele me disse, eu acho que sim. Eles são muito unidos mesmo. Aquela estória lá que o irmão dele freqüenta orgias e tem práticas sexuais incomuns, não sei viu, me deixou com a pulga atrás da orelha. Apesar do Lucas abominar essas coisas que o irmão dele faz.
- Então Lu. Vai que são dois maníacos sexuais. Quer que eu vá junto?
- Não Cris, obrigada. Acho que é um momento meu. Nunca estive tão apaixonada. E se o irmão dele não for, melhor pra gente né? Eu tiro aquela timidez em cinco minutos.
- É nem adianta eu ir, o irmão dele é gay, né?
- Bissexual, Cris.
- Mas dá a bunda. Logo, é viado.
- Cris... que coisa! Ele me contou que o irmão dele gosta sim de dar a bunda, mas isso num ménage a trois. Ou seja, o irmão dele também come.
- E se a gente chamasse os dois pra uma festinha?
- Não começa, Cris. Você sabe muito bem que a gente faz festinha sempre, mas não com meu príncipe. Você vai ser sempre a minha gostosa. Sempre. Mas ele pode ser o homem da minha vida, o pai dos meus filhos.
- Então vem aqui um pouquinho pra sua gostosa, seu príncipe nem vai perceber. Tá cheirosa gatinha, to ficando com ciúme.
- Só um pouquinho vai. E lambe tudo porque daqui cinco minutos eu to saindo.


***


- Tchau princesa, qualquer coisa me ligue.
Não sei ao certo o que acontece, mas estou realmente apaixonada. Se fosse só sexo eu ficaria com a Cris. Moramos juntas há três anos, desde que vim pra esta cidade e ela é melhor do que muito homem. Mas o Lucas é diferente e, além disso, a gente tem que ter um namorado pra apresentar a família.
Estou tão ansiosa que cheguei uma hora antes do combinado.
- Cris, cheguei no shopping. Liguei pro Lucas e o mala do irmão dele tava falando, acho que vem junto.
- Quer que eu vá ai, Lu?
- Não amiga. Vai que o irmão dele se toca e sai né? Mas poxa, ele disse que era muito unido ao irmão, não pensei que fosse tanto.
- Vai ver rola um incesto ali.
- Cris...
- Tá bom, nem falo nada. Bom encontro pra você.
- Acho que são eles vindo ali, beijinho.


***

- Oi.
- Ois.
- Então Lu, tudo bem com você?
- Não. Quer dizer, sim. Quer dizer, não sei.
- Esse é meu irmão, Matheus.
- Então essa é a gostosa? Prazer, Matheus seu criado.
- Matheus, cale a boca.
- Olha Lucas, acho melhor a gente conversar outro dia. Hoje não estou muito bem, não sei ao certo.
- Desculpe Lu. É sempre assim. Por isso não gosto de conhecer as pessoas.
- Entendo.
- Entende porra nenhuma! Tá ai toda assustada com a gente. É mais uma vaca.
- Matheus, cale a boca.
- Não Lucas, essas putinhas são todas iguais. Querem dar pra você e ficam todas assustada, só porque somos siameses, porra!
- Olha Lucas, eu vou embora. A gente se fala outro dia.
- Lu, espere. Eu te amo.
- Ama nada, metade do coração é meu. Ele só quer te comer, gatinha. Eu vejo quando ele vê suas fotos e fica se masturbando, e com a minha mão. E a outra enfiando no cu. Porque você sabe né, eu sou bi, mas nós temos um cu só. Logo, meu irmão também gosta de levar na bundinha, assume po!
- Pra mim chega. Tchau Lucas, Matheus, seja lá o que vocês forem.

***


- Já chegou?
- Cris,me abrace.
- O que aconteceu?
- Me abrace, forte. E promete pra mim que nunca vai se grudar em mais ninguém.
- Prometo.

***

- Lu, você leu o jornal essa manhã?
- Ainda não, o que está escrito?
- Uma notícia bizarra: “Gêmeo siamês dá um tiro na cabeça do irmão, e depois se mata”. Que coisa mais tosca. E se chamavam Lucas e Matheus.
- Cris, me abrace. Forte.

Por Liliane Akamine

sábado, 5 de junho de 2010

Silêncios Constrangedores

- E então...
- Pois é.
- E o São Paulo?
- Joga na semana que vem.
- Acha que eles tem alguma chance?
- Se largarem mão de ficar usando aquele pinheiro como pivô, pode ser.
- Acho que vão mantê-lo.
- Que coisa.
- Mas e aí, foi ver 2012?
- Não achei tudo isso não. Forçação de barra. Mensagens religiosas a torto e direito. Arca de Noé, Cristo Redentor caindo, Capela Sistina rachando na Criação.
- Mas a parte do avião foi legal, admita.
- Do pequeno ou do grande?
- Dos dois. Aquele Antonov russo gigantesco é muito louco.
- Vi há alguns dias Pulp Fiction. Nunca tinha visto.
- E o que achou?
- Diferente. Interessante. Gostei.
- Coisas boas sempre ficam. Deveria ver Jackie Brown.
- Fica a dica.
- Então, qualquer coisa com a geografia, dá um toque e eu passo minhas anotações pra você por e-mail.
- Tudo bem. Eu vou indo tomar um banho.
- Eu vou indo nessa, eu sei o caminho.


***


Saul e Ezequiel acabaram de colocar as roupas. O ar ainda estava pesado com o cheiro de sexo na sala de televisão, com o videogame ainda em pausa. O que haviam compartilhado naquele momento de impulso, lascívia e descoberta reverberava como carrilhões em suas cabeças.


Nenhum dos dois havia sequer pensado naquela possibilidade há menos de meia hora. Em meio a uma partida de futebol virtual, Ezequiel se exaltou durante uma jogada de ataque e escorregou do sofá para o chão, onde Saul tentava manter o empate. O toque involuntário entre ambos, que em condições normais geraria piadas e empurrões mútuos, apenas acabou silenciando-os.


Mudaram de jogo. Escolheram um jogo de luta. Vale-tudo. Silenciosamente colocaram suas representações em combate. O olhar que antes era para tentar prever os movimentos do outro na tela começou a ser para reparar feições, reações, posturas. Começaram a se estudar de uma maneira quase incompreensível para qualquer outra pessoa no mundo.


Quando Ezequiel foi celebrar a vitória no videogame, foi calado com os lábios de Saul, e foi tomado pela surpresa. Já estivera com meninas e sabia do que gostava. Mas a surpresa e o crescendo de emoções desde aquele contato inesperado naquela sala de televisão. Levantou-se, foi até a porta.


- Ezequiel, espera aí!, disse temeroso, sem notar que seu amigo apenas girara a chave na tranca, garantindo que ninguém entraria facilmente. “Vem cá”, disse-lhe enquanto agarrava os ombros de seu amigo e devolvia o beijo. Ambos correram para fechar as janelas da sala enquanto trocavam carícias que acabariam no sofá de três lugares da família de Saul.


Com uma naturalidade medonha ambos livraram-se de suas roupas e, sem dizer uma só palavra, exploraram cada centímetro do corpo um do outro com as mãos, olhos, pele, boca e todos os sentidos do qual dispunham.


***


Colocaram a roupa em silêncio depois do ato consumado, trocaram meras palavras. Saul saiu calado e marcou de juntar a galera para um churrasco no final de semana em sua casa. Ezequiel concordou com a maior naturalidade do mundo.


Sabiam que haviam chegado a um ponto de suas vidas onde dificilmente haveria um retorno. E sabiam que nem toda a conversa fiada do mundo iria calar o coral de vozes duvidosas em suas cabeças.


Por André Diniz

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Um mundo perfeito*

* O conto que você lerá a seguir é de autoria de Leshrac, autor convidado que o "Estórias Gozadas" agora apresenta. Para ter seu texto publicado neste espaço, envie e-mail para o endereço: estoriasgozadas@gmail.com

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Lembro dos meus treze anos na escola. Quer dizer, é estranho lembrar pois não consigo me ver com o pensamento daquela época, é como se desde sempre eu conseguisse ter um pensamento adulto, claro que isso é somente uma armadilha pois eu era uma criança, aliás, eu era uma criança aprendendo a amar, pois foi nessa idade que conheci meu primeiro amor, Viviane. Viviane tinha quinze anos, em uma época que dois anos contam muita coisa, tinha grandes e tristes olhos verdes, quando tive oportunidade de ler Dom Casmurro, já mais velho, entendi o que ele quis dizer com os olhos de ressaca de Capitú, esses eram os olhos de Viviane. Seu cabelo bem escuro e suas sardas lhe davam um ar pitoresco e de destaque frente a qualquer garota daquela escola e eu a amava. Obviamente nunca tive coragem de declarar isso a ninguém, uns cinco anos depois soube que ela virou uma porra-louca bissexual que trepava com qualquer um, mas em minha cabeça sempre ficara aquela imagem virginal pura e imaculada, exatamente por isso tremo de tesão ao vê-la agora agachada chupando meu pau, não a Viviane lésbica, mas a virginal de 15 anos, só para mim agachada a minha frente, e me chupando.


Não me pergunte o porque disso ocorrer, se estou sonhando ou não, só me lembro de entrar numa sala e ver uma garota nua em um canto, correu, me abraçou me encarou com aqueles olhos que levam um homem à glória ou à ruína, e começou a tirar a minha calça, e me mamar vertiginosamente. Em meio ao mar de sensações um abraço por trás me aconchega, lambe minha nuca, morde minha orelha e começa a arrancar minha blusa, lembro do cheiro de priscila, minha primeira foda com 15 anos, ela tinha 19 e trabalhava em casa, garota miúda, magra mas com uma bunda inesquecível e um fogo inesgotável, eu a chamo de minha primeira professora, e agora ela estava ali, arrancou minha blusa e enquanto trançava o braço no cabelo de Viviane para forçar mais a chupada me beijou da forma mais voluptuosa possível.


O êxtase, Priscila arranca Viviane do meu pau, lhe dá um beijo demorado na boca a deita no chão e me manda lhe foder o cu, como nos velhos tempos, e começa a chupar Viviane, sinto outras mãos me acariciando, Amanda à minha esquerda, Kátia à minha direita, atrás de mim Carol, meu triunvirato de namoradas, minha História de vida dos dezesseis aos vinte e sete anos, elas me beijam, acariciam me veneram, me ajudam a penetrar Priscila. Vejo vultos de pessoas na sala, todas que eu amei de alguma forma estavam ali, se beijando, se comendo, era como se toda a sala respirasse em um mesmo e cadenciado ritmo, o ritmo das minhas estocadas.


Por último chegou a Fabiane, minha esposa grávida de sete meses, me deu os peitos para mamar como uma mãe faz a um filho e senti seu leite em minha boca, ela sentou então nas costas de Priscila, e me mandou fuder sua buceta, parei o que estava fazendo com Priscila e fui foder Fabiane que deitara nas costas da Pri, foi algo intenso, tudo respirava como um único organismo, um mar de orgasmos e gemidos, e quando gozava Fabiane disse: _Goza dentro de mim e batiza sua filha. O mundo explodiu em gemidos e foi o fim, o silêncio e a paz após o esporro.


_Puta que pariu, Jairo! Doutor Carlos pediu para suspender os sedativos do paciente 27 novamente? O filho da puta esporrou toda a sala, eu não vou limpar essa merda, quando vim pra cá não me falaram nada de ter que limpar porra de louco. Que merda!




Por Leshrac

domingo, 18 de abril de 2010

As pernas do Roberto

Ana é uma mulher como tantas outras. Moradora da periferia paulistana, trabalha como doméstica e é apaixonada pelo Roberto Carlos. Seu sonho é ver de perto as pernas dele. A tietagem virou idolatria, a idolatria virou obsessão e Ana passou a perseguir Roberto Carlos onde quer que ele estivesse. Se soubesse que ele desembarcaria em São Paulo, lá estava Ana um dia antes aguardando ansiosamente. E, quando via de longe o tumulto que indicava a presença de seu muso inspirador, Ana gritava: “Roberto, mostre as pernas!”

João é um homem como tantos outros. Morador da periferia paulistana, trabalha como pedreiro e é apaixonado por futebol. E por mulheres. Seu sonho é encontrar uma mulher para chamar de patroa. Boa praça que é, João é muito conhecido e respeitado na região de Heliópolis e é este conhecimento que gera a maior parte de seu sustento, pela indicação de conhecidos. Em uma dessas indicações João foi chamado para auxiliar na reforma de uma mansão no Morumbi. Mas não era qualquer mansão, e sim a mansão do jogador Roberto Carlos.

João trabalhava muito feliz e ganhava mais do que de costume. Aos finais de semana, João freqüentava o forró Ás de Ouro e em uma dessas idas conheceu uma bela morena que dançava o Arrocha na pista:

- Oi buniteza, qual sua graça?
- Ana. Disse ela, abrindo um sorriso sincero.
- João, seu criado. Nunca te vi por essas bandas.
- É que trabalho bastante. Sou doméstica e só dá pra mim vim uma vez por mês, cê sabe né?
- Ah, tendeu. Eu sou mestre. De obras. Trabalho na mansão do Roberto. Roberto Carlos, né, mas não gosto de ficar assim me gabando.

Neste momento os olhos de Ana brilharam e ela teve a reação mais nonsense de sua vida. Virou-se para João e disse: - Eu te amo.
João, sem entender, só teve tempo de agarrar a dama pela cintura e levar até o toillete. Lá ele só se deu ao trabalho de abrir sua braguilha e sentar no vaso. Ana já havia tirado a calcinha por baixo da saia e sentou com força naquele membro rijo, fazendo movimentos frenéticos, talvez excitada por ter ouvido o nome de Roberto Carlos. Os gritos de gozo foram abafados pela banda de forró que gritava no palco e em menos de dez minutos eles já estavam de volta à pista, aos abraços e beijos.

Os dias foram passando e o casal estava cada vez mais apaixonado. Eles se encontravam às sete da noite todos os dias, em frente ao boteco do Bigode e lá João contava como tinha sido seu dia na mansão de Roberto e dava detalhes da casa, enquanto Ana se imaginava lá dentro, com o próprio Roberto Carlos. A conversa sempre acabava em sexo, onde quer que fosse. Um tesão incontrolável tomava o corpo de Ana e ela nem esperava chegar em casa, já começava a se esfregar em João no meio da rua. Certa vez, de tão excitada que estava, Ana chupou João dentro do ônibus, no último banco. João percebeu que o cobrador viu e nunca mais deixou Ana andar sozinha naquela linha.
Próximo a completar um mês de namoro, João queria fazer uma surpresa a Ana. Queria algo grandioso, que marcasse aquela data e mostrasse a ela o quanto ele desejava tê-la como “patroa”.

João teve uma idéia: apresentar Ana a Roberto Carlos. Mas como? Não queria que o chefe percebesse que ele era um paga pau dele, pois pegaria mal. Também não queria comprometer seu trabalho, afinal faltava menos de um mês pra ele receber a outra metade do dinheiro da reforma. João passou uma noite em claro, pensando em como presentear sua amada e teve uma idéia. Ligou logo cedo pra Ana:

- Coração, sábado a gente faz um mês junto né? Vou te levar num lugar que você nunca vai esquecer.

Chegado o grande dia. Às seis e meia, João pegaria Ana em frente o boteco do Bigode. Era sábado e João trabalharia até o meio-dia. Naquele dia Roberto Carlos chegaria cedo dos treinos, pois não jogaria no final de semana. João terminou seu trabalho, tomou banho e deu início ao plano mais bizarro já arquitetado por um apaixonado. Ele sabia que aos sábados, depois que ele e seu colega pedreiro saíam, as únicas pessoas que permaneciam na casa era o segurança, a cozinheira e dois cachorros enormes, além do próprio Roberto. João começou rendendo o segurança com uma gravata, e como o mesmo reagiu, não teve outro jeito: João feriu o homem com uma facada nas costas. Os cachorros começaram a latir e logo João teve que dar um fim neles também. Faltava a cozinheira. João foi até as dependências dos empregados e Dona Célia estava tomando banho, aí foi moleza. Em poucos minutos o corpo da senhora de quarenta e poucos anos fazia companhia ao do segurança.

João ainda aguardou na guarita e, quando Roberto Carlos chegou, fez questão de abrir o portão automático. Logo foi até ele e, com uma punhalada, o deixou desacordado, o que permitiu que João o levasse até o quarto e o algemasse na cama.

Seis e meia e João estava no boteco do Bigode, esperando sua amada. Ana chegou perfumada e com o batom vermelho que comprara especialmente para aquela ocasião. João fez questão de ir de taxi até o local da surpresa. Quando chegou à mansão, João vendou os olhos de Ana e a guiou até o quarto de Roberto Carlos, onde o mesmo estava algemado na cama. A intenção de João era que sua amada conhecesse o ídolo e ficasse tão excitada que fizesse qualquer coisa por ele naquela noite.

Quando entraram no quarto, João tirou a venda dos olhos de Ana. E lá estava a cena: João querendo impressionar sua amada, Roberto Carlos amordaçado e algemado na cama, e Ana estarrecida.

- Quem é este careca, bem?
- Ué coração, seu ídolo, Roberto Carlos. Esta é a surpresa: eu, você e o Roberto olhando a gente se amar. E eu deixo você sentar na perna dele viu? Hoje a noite é sua.
- Não, bem, você não entende. Eu não sei quem é esse careca. Olha meu senhor, peço desculpas pelo acontecido. Meu sonho é sentar na perna do Roberto Carlos, o rei, o cantor.
- O cantor?? Porra, Ana, ele tem perna mecânica! Você sabe o que eu fiz pra te fazer essa surpresa?
- Desculpa bem, mas você nunca me perguntou. E sinceramente, eu nunca vi esse careca aí, nem sei se ele sabe cantar “As Curvas de Santos”.
- E esse careca aqui, você viu? Disse João, tirando o pau pela braguilha e balançando.
- Esse careca aí eu conheço, conheço bem. Nunca vi cantando,mas o dono dele sempre me canta.
- Então vem dançar pra ele, minha gostosa.
Ana e João começaram a se esfregar ali, no quarto de Roberto Carlos, enquanto o jogador permanecia algemado e amordaçado na cama. E Ana disse:
- É “seo” careca, é assim, o côncavo e o convexo, nosso amor no sexo.


Por Liliane Akamine

terça-feira, 30 de março de 2010

Lágrima

Crédito da foto: http://www.flickr.com/photos/coitadacassia - imagem meramente ilustrativa.


Hannelore – moça canadense, vinda do intercâmbio, com seus 17 aninhos, 11 meses e 30 dias – deitava na cama. A minha cama, de solteiro. Aninhava-se em mim para ouvirmos juntos a trilha de Beleza Americana no computador, enquanto eu estava tentando enrolar meu primeiro baseado.

Por alguma presepada quando fui montar a pasta dos MP3, entra Massive Attack depois de ‘Choking The Bishop’, aquela música onde o Kevin Spacey toca uma pensando que está entrando no banheiro e encontra a Mena Suvari – loirinha, ninfeta e biscate – numa banheira cheia de pétalas de rosas. Dei o trago e passei para a mocinha branquela e com olheiras de urso panda, enquando dedilhava por suas coxinhas magrelas.

Love, love is a verb
Love is a doing word
Fearless on my breath


Além do cheiro de incenso e fumo, sentia o cheiro do perfume em seu pescoço (sempre digo pescoço, mas o povo costuma chamar de “cangote”. Não gosto dessa palavra, me lembra a novela da Tieta, Deus sabe o motivo).

Ela já entendia um pouco de português, então fui dizendo bem ao pé do ouvido dela, com minha voz sacana e numa mistura de português e inglês com sotaque indiano, sobre como eu achava aquele cheiro a tradução do paraíso. A desgraçadinha me olhou e disse: “Let’s do it”.

Meu passaporte para o inferno estava pronto. E eu ia tocando piano. Igual ao Jerry Lee Lewis.

Gentle impulsion
Shakes me makes me lighter
Fearless on my breath


A música continuava tocando solta enquanto eu descia pelo abdome dela, liso e com marcas de sol. Demorei-me um pouco alisando as costelas dela enquanto beijava e passava a língua de leve em seu umbigo. Fiz um passeio por seu ventre (ainda por cima da calcinha), e segui beijando e acariciando suas pernas longas e lisas como um lençol de cetim. (Deus abençoe o Ocidente e seus padrões estritos de beleza) até chegar a seus pés.

Sempre tive esse fetiche por pés, e sempre me colocava numa posição que me permitia vê-la como Moisés viu a Terra Prometida antes de morrer. O rosto semiiluminado pela noite de lua cheia, o sorriso leve no rosto, aqueles dois suspirinhos apontados para cima. Aquilo era a prova de que Deus existia. E como queria tomar aquilo tudo para mim.

Eu poderia, naquele instante, em que eu já estava pronto, ter simplesmente a comido como qualquer outro talarico faria. Ela, na minha opinião, merecia um pouco mais de brincadeiras. Ainda mais quando notei que ela ainda era virgem. Jackpot, como dizem lá na gringa. Acertei no milhar.

A calcinha dela estava bem longe quando tomei seu quadril para mim e coloquei-o ao alcance do meu rosto. O reflexo inicial mostrava que ela ainda não tinha pleno conhecimento do seu corpo, e pensava comigo mesmo “Isso não pode ser verdade”. Pensar enquanto se prova do licor de uma ninfeta é o pior pecado que existe, pior que tomar vinho do Porto com gelo no copo de plástico. Recobrei-me dos meus pensamentos e continuei sentindo aquele cheiro e aquele gosto adocicado.
Sabia que daquele ponto em diante, pelo menos para mim, não teria retorno. Mas dependia exclusivamente dela. Quando subi e comecei a beijar, acariciar e brincar com os seus mamilos, notei uma pequena lágrima no canto do olho dela. Acho que eu a assustei. Para quem oficialmente era virgem, a primeira base tinha ficado há alguns quilômetros para trás.

- Se quiser parar, é só dizer.
- Get on with it. Continua. Está bom.

Water is my eye
Most faithful mirror
Fearless on my breath

Coloquei-a sobre mim, com todo o cuidado do mundo. Sabia que qualquer erro iria colocar todo o trabalho a perder. Deixei-a se acostumar. Relaxar. Curtir a viagem. Ela pegou o baseado, acendeu-o de novo e deu uma tragada enquanto estava em cima de mim. Senti-a se revolver dentro de si. Como se deixasse algo dentro dela fluir, sair, tomar conta. Ela descobrira alguma coisa naqueles quinze segundos em que eu estava debaixo dela, vendo-a nua, descabelada. Foi como ver o paraíso dessa vez.
Subindo o ritmo, pouco a pouco, colocando-a em contato com o Diabo, fazendo-a ter um orgasmo de verdade. O pecado da vaidade de pensar em fazê-la gozar me fazia ir em frente. Me inspirava, me deixava mais em ponto de bala ainda.
-Feliz aniversário, Hanners.

Teardrop on the fire of a confession
Fearless on my breath
Most faithful mirror
Fearless on my breath


Passei alguns dias andando nas nuvens. Aquela tinha sido a minha primeira boa trepada em meses de seca absoluta. Um retorno digno de Elvis Presley. Algumas semanas depois, eu a vi chegando da escola. Dez minutos depois, um moleque com cabelos espetados chegou em casa. Ela subiu direto para o quarto.

Ouviram Massive Attack a tarde inteira. Sozinhos. No quarto. Pingo é letra, e música sob portas fechadas é roteiro para coisas na mente de qualquer um.
Hannelore Saiu do quarto pouco antes do jantar, me abraçou com carinho e me beijou a testa, quanto estava um patamar mais baixo. “Obrigada”, ela sussurrou com uma voz quase em pedido de perdão.

Foi ali que eu descobri que, durante todo o lance, em nenhum momento estive no comando da situação. E nunca estaremos.

You're stumbling a little...


****
- Meus mais sinceros pedidos de perdão a Dalton Trevisan.



Por André Diniz.
blog: http://thecokeinc.blogspot.com/

sábado, 27 de março de 2010

Cooper feito

Sempre, todas as manhãs (seja ela de sábado, domingo, ou feriado) como o meu sagrado meio mamão macho e bebo um copo de leite semidesnatado e vou ao parque que fica próximo à minha casa correr. Faço um severo alongamento igual a um que vi no youtube, feito por bailarinas da antiga União Soviética. Dei um jeito de fazer o download, pois manjo muito de informática, e decorei os procedimentos. Tem até uns velhinhos lá no parque que discretamente me imitam, mas, modéstia a parte, eles não me acompanham quando estico minhas pernas até os meus pés ficarem acima da cabeça, apoiados numa barra, e assim permanecer por um minuto e meio cronometrado. Também faço exercícios de massa muscular como barras, flexões variadas, abdominais. Vou pra lá correr e ver mulher, mas delas falo já – como mestre de cerimônias que se preze, tenho que começar pelo trivial, ambientar o leitor ao diálogo e depois pumba!


Dias atrás, quando eu ainda era um desempregado. Sim, hoje me considero um profissional liberal mesmo que sem ter firma aberta. Quando eu ainda me considerava um frustrado socialmente (não que eu fosse desses babacas depressivos, não). Frustrado porque o que eu gostava de fazer não me dava dinheiro e, por isso, trabalhava por algum tempo num emprego-diurno, com dizem os americanos... até juntar dinheiro para ficar outro tempo fazendo somente o que eu gosto. Dinheiro para comprar mamão, leite semidesnatado e carne. O que é uma vida sem prazeres, afinal? É o mesmo que nada – se você não sente prazer é porque você não dá prazer, e de que serve um homem se não dá prazer a ninguém?


Nesse dia aí, do qual eu ia falar antes de ficar divagando, fiz tudo como de costume. Tomei o café da manhã, corri até o parque, me alonguei trocando olhares com as mulheres, depois fui para a corrida. No alongamento de depois do Cooper feito foi que vi as duas: uma sentada no banco e a outra deitada, com a cabeça no colo da primeira. Eram mulheres jovens e, certamente, estavam matando aula, pois usavam uniforme de uma escola particular que fica próxima daqui. Não eram lá muito bonitas, mas intimidade e isso me enfeitiça. Não titubeei, postei bem em frente a elas e comecei minha sessão de alongamento e olhares fugazes que, depois, tornaram-se voluptuosos. Elas começaram a dar risadinhas, mas o ponto alto no flerte foi quando a que estava sentada começou a acariciar a barriga da deitada. Não agüentei.


“Vocês têm horas?”. “Tenho sim, peraí” “dez e seis”, a outra respondeu. “Obrigado, é que meu relógio quebrou...”. Silêncio e olhares. Elas seguravam o riso, mas não deixavam de me encarar. Nunca fui muito bom de xaveco, dessas conversas moles que os homens desenvolvem para mostrar às mulheres que são capazes de lhes dar proteção e prazer (nesta ordem). Agachei-me e apoiei o cotovelo no joelho da que estava sentada, sem tirar os olhos de seus olhos. “Você está todo suado!” “suado e salgado” respondi. Sei que foi idiotice, mas menos idiota que ficar calado. “Credo!” “ah, outro dia você disse que eu estava salgada e se lambuzou toda” interveio a deitada, “pare de falar assim com o moço!”


Ah, nessa hora meu coração foi a mil. E olha a adrenalina não costuma fazer muito efeito no meu corpo, ainda mais após um treino puxado como foi o de hoje, mas dessa vez fiquei fervendo mesmo. “Quero as duas”, eu disse, sem piscar. Elas se riram.

Resumindo, me passaram o endereço da casa de uma delas e marcamos para o dia seguinte, às três da tarde, pois é hora que a doméstica do apartamento vai embora. Era só chegar à portaria e falar que era o técnico de informática. Elas queriam que eu falasse que era o encanador, mas não tenho nem cara nem idade de encanador e, se tem uma coisa que faço que se aproxime de uma profissão, essa coisa é trabalhar o físico e a mente de computadores.


No outro dia peguei leve no treino para ter energia para as duas. Já fiz isso antes, mas é sempre uma missão bolivariana conquistar dois continentes de forma satisfatória. Arrumei-me, coloquei a camiseta regata da sorte e fui. Na portaria falei o combinado, “sou Aldebaran, técnico de informática”. “Já estava avisado que chegaria, pode subir.” Essa foi fácil, pensei, mesmo usando meu nickname. Mas quando estava passando em frente à cabine, ele ainda me perguntou sobre a pasta com o material de trabalho. Nunca respondo nada rápido, mas dessa vez fui ligeiro e me alegro até hoje por ter falado que era apenas um orçamento de análise de hardware. Quanto mais difícil a resposta, mais entendida ela é, disso sempre eu soube e não importava que troquei software por hardware – que se dane.


Conferi o número do apartamento antes de tocar a campainha, estava ok. Respirei fundo e pumba! Mas aí começou minha confusão mental: por que diabos uma senhora de meia idade, vestida de roupão, abriria a porta, sorrindo? Três já é demais, pensei. Que fosse isso... mas elas poderiam ter me avisado que entrou mais uma na jogada. “Entre, por favor”. “Com licença”. “O computador fica lá no quarto, você prefere consertá-lo lá ou aqui na sala mesmo?” Não esperava essa pergunta, então escolhi o quarto, depois de hesitar um pouco. “Vocês cobram adiantado, não é? O dinheiro está aqui em cima, pode pegá-lo e guardá-lo. Mas se solte um pouco mais, até parece que nunca consertou um computador antes!” O sorrisinho faceiro dela e a entonação que dava à palavra computador me deixavam ressabiado. Resolvi, então, perguntar “e as meninas que chamaram os meus serviços... acho que precisarei delas para arrumar o computador” .“Ah sim, elas estão no cursinho pré-vestibular. Mas o computador que precisa de reparo é o meu”. Daí a ficha realmente caiu. Não estava querendo acreditar mas era fato, as danadinhas (e a danadona) me deram um golpe. Eu era, definitivamente, um puto. Estava já me voltando para ir embora, indignado, quando vi as três onças em cima da mesa. ‘Afinal’, pensei, ‘de que serve um homem se não dá prazer pra ninguém?’.


Enchi o peito de ar e fui para cima da La Vecchia Signora. No quarto, a primeira coisa que fiz foi fechar a janela, afinal, o que os olhos não veem o pau não recusa. Mas ela tratou de acender a luz para “ver esse seu corpão que, durante uma hora, será meu”. E foi mesmo. Ela é alucinante. Tem um domínio técnico apurado que promove uma transa sistemática com tudo sob controle – causa e consequência.


No quesito libertinagem, as mulheres mais experientes dão um banho nas mais mocinhas. E isso fascina todo homem que sonha reproduzir todas as sacanagens acumuladas em anos de filmes do gênero. E o buraco símbolo dessa distinção entre as idades femininas é o ânus. Uma mulher pode se considerar amadurecida quando tem segurança o suficiente para compartilhar esse laço estreito com o homem que escolheu para ser seu naquela noite. Não é questão de ser promíscua, e sim de aceitar toda forma de prazer sem ter a preocupação maior do que os outros irão pensar a seu respeito. E nesse quesito, meus amigos, essa dona daria aula de pós-graduação devido ao trabalho em pesquisa teórica e de campo que sua técnica exige. O controle muscular da cavidade e a sintonia com os movimentos do corpo me fez nunca desejar que o gozo chegasse e parte de mim caísse fraca, flácida, encolhida em si mesma. Mas, quando esse ponto chegou e eu não pude segurar, a capacidade altruísta dessa senhora foi tamanha que essa mesma parte de mim nem sentiu o baque da energia dissipada no momento máximo do futebol e agüentou outra partida sem tempo técnico.


Enfim, o cu perfeito.


Quando estava esgotado, ela me avisou que havíamos passado da hora cheia, que é de praxe nesses serviços. “Como é a primeira vez que arrumo seu computador, a prioridade é a satisfação da cliente.” Ela sorriu e pude prestar atenção à sua face rechonchuda e aos dentes manchados de nicotina e, mesmo nessa situação, de puto de uma dona de casa infeliz, sorri de volta. Afinal de que vale um homem se não...


Vestindo-me, perguntei qual era a jogada com as meninas. “Pedi três vezes para elas me arrumarem um garanhão nas academias da redondeza. Mas, das duas vezes, vieram saradões que tinham, por assim dizer, disfunção erétil de origem emocional e não cumpriram bem o proposto. O outro não quis fazer o serviço. Então, dessa vez, pedi que elas fossem ao parque estadual.” “Mas quem são elas?” “Ah, elas moram aqui no condomínio. Em troca desse favor deixo que elas usem um dos quartos para brincarem em paz.”


Deixei meu telefone com ela e pedi que me indicasse para amigas. Já me acostumara com a idéia – o ser humano se adapta a tudo, dizem. Como ela dissera que não tinha amigas na mesma situação, então falei que tudo bem. O dinheiro que ganhei nessa tarde investi em propaganda, afinal, essa é a alma do negócio, não? E deu certo, foi assim que arrumei uma profissão que me permite fazer o que mais gosto. Só adicionei amendoim e catuaba à minha dieta.


E serei eternamente grato àquele cu perfeito.


Sobre o autor:

Wellington Souza é poeta, contista e aspirante a tecnocrata.

blog: www.hiper-link.blogspot.com


sábado, 13 de março de 2010

Antes que o corpo esfrie

Dona Gertrudes esperava o leite ferver na panela quando caiu dura no chão. Seu filho Belisário encontrou-a morta assim que chegou do trabalho. Pela primeira vez em sua vida viu-se livre da presença opressora e permanente da mãe. Filho único, abandonado pelo pai, foi criado sob mil cuidados e olhares por aquela mulher austera, amargurada, neurótica, possessiva. Tinha agora trinta e dois anos e jamais ficara nu na frente de uma mulher que não fosse a mãe.

A notícia da morte da velha correu por todos os ouvidos e o velório foi um evento. Boa parte das pessoas, condoídas com a situação do pobre rapaz, compareceram para dar apoio. Outras, contudo, conhecendo o temperamento mesquinho da falecida, foram confirmar se ela realmente havia morrido e gozar a visão do corpo acondicionado no caixão, mantendo a expressão dura que carregou em seu rosto durante todos os anos de sua vida e que agora levaria para o inferno. As velhas do bairro não tinham dúvida: ela iria para o inferno.

O fato é que Belisário era um rapaz muito querido por todos. Sua timidez e educação cativaram todos os vizinhos, ao longo dos anos. Era diferente dos rapazes de sua idade. Não saía pela vila de madrugada fazendo algazarra, bebendo e desrespeitando as moças. Mais de uma senhora desejara-o como genro, mas dona Gertrudes espantava todas as pretendentes. Os homens achavam que ele era por demais afeminado, que não devia gostar da fruta. E esse era o assunto na casa de Soninha no exato momento em que acontecia o velório. Seu irmão Joaquim tentava em vão convencer a ela e as amigas Lena e Graça de que Belisário era um maricas e que a morte da mãe não mudaria seu comportamento. "Nem mesmo belas mulheres como vocês conseguiriam levá-lo para o bom caminho", disse jocosamente Joaquim. Soninha então ergueu-se e propôs uma aposta.

"Que tipo de aposta?", perguntou Lena.

"Nós três tentaremos seduzir o pamonha. Se uma de nós tiver sucesso, Joaquim terá de acompanhar a vencedora do feito ao Baile da Primavera".

"Mas e se você conseguir? Joaquim é seu irmão", lembrou Graça.

Os dois irmãos trocaram um rápido e furtivo olhar.

"Não importa", respondeu Soninha. "Ele me recompensará de outra maneira".

Todos se olharam sérios até que Lena quebrou o silêncio:

"Está bem. Particularmente acho o Joaquim um boçal, mas admito que não há pessoa melhor para me acompanhar ao baile". O desdém de Lena era mal dissimulado e todos sabiam que ela era apaixonada por Joaquim, bem como Graça.

"Estão está decidido. Vamos nos enlutar para o velório", Soninha convocou.


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Quando Soninha, Graça, Lena e Joaquim chegaram ao velório para cumprimentar Belisário, o clima geral foi de escândalo. As três jovens usavam vestidos escuros, porém decotados e provocantes. A boca de Soninha estava pintada de escarlate, e um forte perfume emanava dela e tomava conta do ambiente. Uma velha disse para outra, em tom sarcástico: "a velha Gertrudes vai sacolejar dentro da caixa".

"Meus sentimentos, Belisário", disse Soninha ao ouvido do orfão. E completou, com voz sensual: "Estou ao seu dispor, para tudo o que precisar".

"Sinto por sua mãe. Você está mais bonito nesse terno escuro", tratou de dizer em seguida Lena, para mostrar ao rapaz suas intenções. Foi suavemente empurrada por Graça, que das três era a que tinha o vestido mais decotado, deixando entrever o nascimento de seios firmes e arredondados e o matiz moreno de sua pele lisa e brilhante. Disse-lhe, também num sussurro ao pé do ouvido:

"Livre-se dessa gente e me encontre nos fundos. Vou fazer coisas muito agradáveis para você".

Belisário a cada um desses cumprimentos mostrou-se surpreso e inibido. Respondia um "muito obrigado" quase inaudível, olhando para o chão e dando a impressão de que iria fugir correndo a qualquer momento. Joaquim, que olhava a cena divertido, aproximou-se.

"Pois é, meu camarada. A tua velha morreu, mas você está vivo. Pode contar comigo, Joaquim de Mattos, como o teu mais novo amigo". E virando-se para os presentes, disse em voz alta:

"Peço desculpas aos senhores, mas vou monopolizar a atenção do Belisário por um minutinho".

Puxou-o pelo braço, em direção aos fundos da casa.

"É, é isso aí. Isso aí. Você fuma? Não? Pega, é um charuto. É especial para este momento, pega".

Belisário recusou, mas Joaquim enfiou-lhe o charuto na boca, depois de morder ele mesmo a ponta para cortá-la, e acendeu com um pálito de fósforo. Belisário teve um acesso de tosse e Joaquim o observou sorrindo até que cessasse. Então disse:

"Vou ser direto com você, meu camaradinha. Eu sou um homem de negócios, muito prático, e resolvo as coisas sem muito embaraço. Apostei com essas três aí que você é veado. E sei que você é veado, todo mundo aqui sabe". Ficou em silêncio um instante observando a reação de Belisário, que o olhava assustado, e continuou: "Elas vão me pagar uma garrafa de uísque se tentarem te beijar e você der chilique. Porém, se você mostrar pra uma delas algum sinal da sua, digamos, masculinidade se manifestando, eu vou ter que levar a moça em questão pra um baile idiota e depois papar a 'sortuda'. Só que eu já tenho uma mulher pra papar nesse baile, e ela é muito melhor do que as amigas bobas da minha irmã. Então eu quero que você apenas cumpra com o que sua natureza já conhece: quando elas vierem, uma depois da outra, fazer graça pra você, comece a chorar. Ou então saia correndo. Ou então diga algo como 'o que é isso, senhorita? Pelo que está me tomando?' É boa essa frase, não é? Não é frase de bichona? Ha ha!"

Belisário continuou olhando assustado para Joaquim, sem dizer palavra. Meneou a cabeça afirmativamente quando este sussurrou com voz dura em seus ouvidos a advertência final de que contava com ele.


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Assim que voltaram para a sala e Belisário novamente se postou ao lado do caixão, lentamente Graça se aproximou dele. Sentou-se no seu colo e começou a beijar-lhe o pescoço. Todos no recinto, atônitos, observavam a cena. Belisário gaguejou: "A se-senhorita está louca... Estamos no velório de minha mãe..."


"Eu quero você esta noite. Pouco me importa a puta de tua mãe. Vem, vou te dar meu sexo, depois vou te dar meu ânus, vou te lamber todinho, vamos subir para o quarto que eu vou fazer você esquecer tudo e te dar muito prazer". Graça, enquanto sussurrava essas palavras, pensava em Joaquim, lembrando-se do corpo dele, de seu pênis rijo que ela segurou com as duas mãos, de como ele a obrigou a aplicar-lhe sexo oral, agarrando sua cabeça com força, puxando os seus cabelos. Ela queria passar de novo por aquilo, beber novamente o sêmen de Joaquim, fingindo-se horrorizada quando ele mais uma vez a obrigasse a isso. Mas Joaquim, nos últimos tempos, só a esnobava. Só saía com mulheres mais velhas, geralmente abastadas, que o sustentavam sem que seus pais soubessem. Imaginando Joaquim, Graça enfiou a língua no ouvido de Belisário, que tremia e quase chorava. Foi puxada por Lena, que disse em voz alta:


"Estás louca? O que está fazendo?", e puxando Belisário pelo braço: "Venha, ela está fora de si. Vou levá-lo para um lugar onde possa recompor-se". Soninha e Joaquim, que olhavam a cena sorrindo discretamente, entreolharam-se e seguiram os dois.


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Lena levou Belisário pelo braço até o quarto, como se faz com uma criança. Lá chegando, antes de abrir a porta e entrar, tirou toda a roupa. Belisário, em estado de choque, deu um passo atrás. Lena pegou sua mão e conduziu-a até seu seio esquerdo.

"Pega. Isso. Você gosta? Não é macio?"

Belisário retirou a mão com força e desceu as escadas correndo. Lena atrás dele. Cruzaram na volta com Joaquim e Soninha, que subiam as escadas para ir ao encontro deles. Surgiram na sala, Lena nua em pêlo. Aquele escândalo insólito gerou um grande burburinho de vozes, gritos e interjeições de espanto. Uma senhora desmaiou com a cena. Outras começaram a deixar a sala. Ficaram apenas Belisário, Lena, Graça, Soninha e Joaquim, e alguns homens soturnos, que observavam a tudo com curiosidade interior.


Lena avançou na direção de Belisário, que recuou até bater de encontro ao caixão da mãe. Acuado, nada pôde fazer quando a mulher começou a abrir-lhe os botões do paletó, depois a camisa. Graça chegou por trás dele, despindo-se também, e beijando-lhe o pescoço, a orelha, e finalmente a boca, com sofreguidão, fazendo-lhe engolir o beijo como ele outrora engolira a fumaça do charuto. Joaquim observava a cena com expressão libertina e, ao olhar para o lado, viu que a irmã estava sentada próxima, com um dos seios à mostra e a mão por baixo da saia, tocando-se. Disse-lhe: "Verás agora a revelação de que lhe preveni. Ele vai rejeitar as moças, vai mostrar a plenitude de sua veadagem. Veja". E para Belisário: "Meu camaradinha, acabe logo com isso. Diga logo para as damas que você não gosta do que elas tem para lhe oferecer".


Belisário então desvincilhou-se das duas, que já tinham lhe tirado o paletó, a gravata, as calças e a camisa, deixando-lhe só de cuecas. Virou-se para Joaquim, abaixou a cueca, balançou na sua frente seu enorme pau totalmente duro e disse, com ar raivoso:

"Te parece, idiota, que eu não gosto disso? Você sabe por quanto tempo eu esperei essa putaria?"

Dirigiu-se em seguida para Graça, que posicionou de costas para ele, com as mãos apoiadas na alça do caixão de dona Gertrudes, e penetrou-lhe com vontade, dizendo em voz alta os maiores absurdos, apertando-lhe as coxas, arranhando-lhe as costas e dando tapas sonoros nas nádegas. Enquanto comia esta, pediu para Lena lhe lamber o cu, o que ela fez prontamente. Soninha vendo tudo masturbou-se com ainda mais vontade, gritando os nomes mais sujos, sentindo-se observada pelo irmão e pelos homens soturnos que tinham permanecido na casa. A essa altura, tanto Joaquim quanto os desconhecidos já se masturbavam calmamente, gozando aquela situação grotesca. Belisário permanecia muito sério e agora mudo. Após fazer Graça gozar, se encarregou de comer Lena, também apoiada no caixão, mas de frente para ele, com as pernas bem abertas.


Graça foi ao encontro de Joaquim e, de joelhos na frente dele, lambeu-lhe demoradamente o pau. Os homens soturnos rodearam Soninha e se masturbaram ao redor dela, vendo-a masturbando-se. Soninha gritava, Lena gritava, Graça - agora sentindo-se feliz enquanto era enrabada por Joaquim - gritava e apenas Belisário e os homens soturnos permaneciam sérios e mudos. Belisário, sentindo-se aproximar o êxtase do primeiro desabrochar de sua vida, por tanto tempo aguardado em segredo, agarrou Lena pelos cabelos e colocou-a de joelhos em sua frente. Lambuzou-a toda com seu jorro. Ao mesmo tempo, Soninha teve o corpo marcado pelo jorro dos homens soturnos, e seu irmão Joaquim despejava sêmen no abdôme de Graça, após ela ter implorado para recebê-lo na boca. Todos ainda arfavam e mudos imaginavam o que se passava na cabeça de cada um, quando ouviram um barulho no caixão, que se movimentava, seguido de um grito:

"Belisário. O que significa isso?"

Soninha, Graça, Lena e Joaquim gritaram de horror ao ver a velha Gertrudes levantando-se do caixão. Os homens soturnos, pela primeira vez até então, sorriram. Belisário disse: "Mamãe, eu posso explicar". Apanhou um candelabro ao alcance de sua mão e bateu-o com força na cabeça da ressurreta, que caiu desacordada no caixão.

"Velha do caralho. Que vá pro inferno", disse dando um tapinha na nádega de Lena.

O velório varou a madrugada e gemidos profundos quebraram o silêncio da noite e da morte.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Colhão de sobra

A minha vida inteira eu fui um cagão. Um bunda-mole. Uma ex-namorada costumava me dizer que eu “gosto das coisas amenas”. Bobagem. Eufemismo tolo pra me chamar de frouxo. Frouxo mesmo? Certamente. Mas é bobagem ficar aqui choramingando. Melhor eu me concentrar em narrar o dia derradeiro da minha vida, o dia em que explodi e resolvi mandar tudo pras picas. Eu estava numa puta má fase. Depois de três anos sendo ininterruptamente sacaneado pelo meu patrão, um sujeito com curso primário, que fala “menas” “vinhemos” e “pobrema”, eu fui para o escritório decidido a pedir as contas. Quer dizer, mais ou menos. Falei: Ou você me dá um aumento, ou eu saio. Tinha fé que o blefe ia dar certo. Que ele ia se sensibilizar com a minha condição deprimente, com o salário muito abaixo do piso que me pagava, com todos os anos de dedicação e bons serviços prestados. Ele olhou pra minha cara, colocou um sorrisinho irônico no canto da boca e disse: Você quem sabe. Levantou pra sair, mas antes anunciou: Contratei um novo vendedor. Tá aí fora. Explica pra ele como é o esquema. Uma voz interior me dizia que eu não tinha que explicar porra nenhuma, que nem da equipe de vendas eu era e que, além disso, eu tinha pedido demissão. Eu saí pelo corredor, enchi um copinho de plástico com água e bebi de um gole só. Expliquei pro cara, um chucro, como era o esquema. Porra.

Peguei um ônibus que lá pelos lados do Bom Retiro começou a lotar. Sentou-se ao meu lado uma mulher muito gorda. E muito feia. Se esticou toda na minha frente, abriu a janela, fez um bolota com o saquinho de alguma coisa que ela tinha acabado de comer e atirou pela janela. Depois sentou-se novamente e tirou um celular da bolsa. A mulher tinha cara de pobre, e era pobre, mas o celular dela era muito mais incrementado que o meu. Então ela colocou uma merda de música alta, um forró desgraçado que não me deixava ler o que eu estava tentando ler, e eu olhei em volta e percebi que era o único incomodado com a situação, que as pessoas no ônibus já não estavam nem aí. E a gorda desligava o celular e eu pensava que aquele tormento tinha terminado, mas aí ela ligava de novo, com a mesma música, e eu fiquei com vontade de dizer pra ela que ela era uma imbecil, uma inútil, que um genocídio para pessoas como ela e os conterrâneos dela não seria uma má solução, um monte de paraíbas safados que quando não são analfabetos (não deviam deixar analfabetos comprarem telefones celulares), tem preguiça mental demais para ler aquela merda de aviso, colado no vidro do lado da cadeira do cobrador, no qual estão os dizeres “Proibido o uso de aparelhos sonoros no interior deste veículo, lei tal ano tal, etecetera”, que ela devia fazer um favor aos usuários do transporte coletivo e começar a andar somente a pé, mas isso apenas depois de fazer um curso para pedestre. E que enfiasse o celular no cu. Pensei em dizer tudo isso, mas me limitei a ficar abrindo e fechando o livro e fazendo cara feia, pra ver se a maquinista de trem fantasma se tocava. Ela notou minha irritação e riu. Acintosamente. Porra.

O dia estava uma merda mesmo, então resolvi não ir direto pra casa. Fui jogar bilhar no boteco. A dinheiro. Não há nada pior para embucetar de vez com o humor de alguém do que perder um jogo estúpido. Ainda mais quando há dinheiro envolvido. E principalmente quando você acha que estão te roubando. E eu sempre acho que estão me roubando. Na quinta partida seguida que perdi, perdi também a paciência. Joguei o taco na mesa e saí, o pessoal falando “mas, o que que é isso”, “volta aqui, porra” etecetera. Mas olhei pra trás e eles estavam rindo, um até mesmo chegou a dizer “é um ganso mesmo, vacilão da porra”. Porra.

Sinuca, carteado. Quanta perda de tempo. Sabia na verdade qual era o meu problema, no fundo. Falta de sexo. Já ia mais de um ano que eu não transava. Mulher nenhuma queria dar pra mim, por causa da minha feiúra – eu sou feio e atarracado - e a secura já ia alta. Pra completar, eu dividia apartamento com mais dois caras que todos os dias levavam algum brotinho pra comer lá, e eu ouvia os gemidos, os gritos e sabia que os putos atiçavam as piranhas pra gritarem e gemerem alto só pra me sacanear. E quase todo dia era assim, e por isso mesmo eu já não tinha tesão nenhum de ir pra casa, tocar aquela punheta murcha no banho, pensando na vizinha gostosa ou na secretária do chefe que só me provocava mas tirava o corpo fora na hora H. Eu estava fodido, mas tão fodido, que nem dinheiro pra pagar uma puta eu tinha. E a tendência era só piorar, eu ficava excitado só de ver a lingerie aparecendo no desenho da menina da fachada da Casa das Calcinhas.

Então não sei como surgiu e se instalou na minha cabeça a ideia fixa que mudou a minha vida. Só sei que tomei um ônibus e fui para perto da casa da minha ex-namorada. Uma que tinha me dado o pé na bunda fazia mais de dois anos, não sem antes me cornear, sacanear e esculachar, me dizendo um monte de groselhas. Entre elas, a de que eu era um bunda-mole. (Tenho a impressão de que já a citei aqui). Estranho, fiquei na rua escura espreitando a casa dela, eu não sabia o que estava fazendo. Descobri quando ela chegou. Que delícia, eu estava com saudades daquele corpinho, dos gemidos dela, das loucuras que a gente fazia na cama. A verdade é que, sem ela, a minha vida tava mesmo uma merda completa. Abordei-a, ela tomou um tremendo susto. Fui direto ao assunto, eu quero você, de novo. Ela respondeu que eu estava maluco. Maluco? Eu estava maluco, porra. Puxei-a pelo braço, puxei pelos cabelos, arrastei pra uma esquina deserta. Ela ficou sem reação, talvez estivesse paralisada de medo, mas podia ser também um tesão enrustido e inconfesso. Não ofereceu resistência, e eu a empurrei contra o muro, de costas para mim, e levantei sua saia, abaixei a calcinha, tudo com uma mão só, com a outra fui abrindo meu cinto, o zíper, baixando as calças. Estava fora de mim, e foi juntando todo aquele estresse, e a energia contida de anos levando desaforo pra casa, tomando no fiofó, vendo os outros se dando bem enquanto eu estava a nenhum. Botei o pau pra fora e, puta merda. Que desgraça. Estava mole. Mandei-a agachar e me chupar, e ela chupou a contragosto, durante intermináveis minutos, e meu pau continuava mole. Eu comecei a chorar de nervoso, ela olhou pra minha cara com nojo, disse que eu continuava um bunda-mole mesmo. Então fiquei puto. Senti um troço, um afluxo de sangue, meu rosto inteiro formigava, devia estar vermelho feito um pimentão e eu tremia como se estivesse tendo um ataque epilético. Ela ainda estava com meu pau na mão e vimos quando ele começou a crescer numa ereção contínua e interminável. Aquilo era uma loucura, e só na loucura ou num sonho psicodélico se justificaria o sorriso satânico que se instalou no rosto dela, a voz mole dizendo “hum, seu safado” e depois tomarmos um puta susto quando meu saco começou a inchar, inchar, inchar e ficar do tamanho de um limão. Comecei a urrar de dor, e fiquei meio verde feito o doutor Banner se transformando no Hulk, e os músculos do meu pescoço retesaram, meus dentes trincaram, minhas pupilas se dilataram e senti que ia desmaiar. Antes de apagar, deu tempo de ouvir um barulho seco como o de uma bexiga cheia de ar sendo estourada. E vi, ainda antes do sangue sair do meu corpo e eu ficar lívido, a minha pele cedendo, e meu testículo direito sendo expelido pra fora como a espoleta saindo de um revólver.
Agora estou no hospital, com o escroto enfaixado. Somente amanhã vou poder ver como ficou. Minha ex teve a bondade de recolher meu testículo direito e trazer para o reimplante. O esquerdo, segundo ela, ricocheteou no ar e caiu na rua. Ela não conseguiu localizar. Deve ter caído num bueiro. Porra.


Rafael Gimenez

sábado, 23 de janeiro de 2010

Cheiro de amor e de morte

Meu nome é Ubiracy, vulgo Bira. Trabalho no Instituto Médico Legal. Tem já mais de dez anos que trabalho como assistente dos legistas, engavetando e desengavetando cadáver, tá sabendo? Minhas narinas já se acostumaram com aquele cheiro ocre, agridoce, de maneira que nem diferencio mais o odor de um defunto ao aroma de uma torta de ameixa feita pela Larinha. Larinha é a minha mulher, tá sabendo? Quando conheci a Larinha, eu fiquei doido. Estava andando na rua e ela vinha no sentido oposto, olhei pra ela e ela olhou pra mim, mas eu sempre fui muito tímido com as mulheres e elas nunca me deram pelota porque eu não sou lá um sujeito muito bonito, tá sabendo? Mas quando a Larinha passou por mim, os cabelos lisos na altura dos ombros, olhos negros e brilhantes e um corpo que nem o melhor poeta saberia descrever, me deu uma coisa, tá sabendo? E eu fiz algo que nunca imaginara. Segurei a Larinha pelo braço, e ela fez uma expressão de espanto, imaginem, um crioulo enorme segurando ela pelo braço assim sem mais nem menos, e vi que ela ia gritar, eu precisava dizer alguma coisa, mas minha voz não saía, eu na época não era nem mesmo um verborrágico como sou hoje, e não lia poesia, e só queria saber das mulheres para foder, e pagava por sexo porque mulher alguma queria dar pra mim, e as que davam se assustavam com a minha jeba, sim, porque modéstia à parte eu sou um cara bem piçudo, tá sabendo? Mas aí fiz um esforço descomunal e enfim disse, com a voz gaguejando, “você é linda” e ela “o quê?” e eu repeti, desanimado, “você é linda”, e ela sorriu, e muito tempo depois me disse que ninguém tinha feito uma coisa assim por ela antes e que minha atitude foi romântica e corajosa. Larinha também é muito tímida, tá sabendo? Eu era apenas um chucro ignorante e semi-analfabeto quando comecei a sair todas as tardes com Larinha e ela me lia poemas de Lorca, Baudelaire, Neruda, Drummond, Bandeira e me fez ler romances e íamos às vezes ao cinema e ríamos de chorar vendo comédias e ela se assustava e me abraçava quando víamos filmes de suspense. Quando começamos a namorar, os pais dela foram contra. Os pais da Larinha são professores universitários, com mestrado e outras milongas, e não queriam me podar porque sou preto ou pobre, mas porque eu era ignorante e não fazia porra nenhuma da vida, a não ser jogar bilhar e um ou outro biscate que me possibilitasse arrumar dinheiro pras minhas apostas. Mas a Larinha me mudou, me arrumou o emprego no IML e depois me apoiou quando comecei a estudar enfermagem. Quebrei o nariz de um palhaço na vila porque ele tirou onda com a minha cara dizendo que enfermeiro é profissão de boiola, tá sabendo? Mas isso não interessa, vim aqui para falar de outra coisa, tá sabendo? Como eu disse, trabalho no IML todo dia limpando os defuntos que chegam. Um dia desses chegou de uma só vez dezessete presuntos de uma chacina no Capão e o Bira aqui estava lá fazendo seu trabalho quando pensou assim: “Porra, Bira, já faz mais de dez anos que você tá nessa vida de embalsamar presunto, tá sabendo?” e pensava que os putos dos médicos do IML nem olhavam pra minha cara quando passavam por mim no corredor de manhã, e minha vida estava cada dia mais maçante, eu já estava tão acostumado a ver cadáver, e tão acostumado com o cheiro deles, com o sangue coagulado, com as escoriações, a putrefação, os órgãos internos aparecendo e todas aquelas coisas, que podia até almoçar em cima de um finado que isso não alteraria em nada o meu apetite, tá sabendo? Mas eu não ligava para esses pensamentos, eu era feliz. Todo dia chegava em casa e a Larinha tinha feito alguma comida que eu gostava, e me falava sobre como tinha sido o dia dela e, sabendo que eu odiava falar de trabalho, nunca me perguntava como tinha sido o meu. E depois íamos pra cama e todo dia era aquela loucura, tá sabendo? O sexo que a gente fazia era coisa que devíamos cobrar entrada pro povo ver, era melhor que poesia, era arte pura, uma coisa que devia ser gravada e deixada como legado para as gerações futuras. Nesses mais de dez anos em que estava com ela e em que cuidava dos presuntos no IML, eu nunca tinha deixado de dar no coro nem um dia, fosse por cansaço, por doença ou por outro motivo qualquer, tá sabendo? Mas nesse dia em que chegaram os dezessete presuntos do Capão, tudo moleque novo, o mais velho tinha vinte e seis anos, o mais novo quinze, a maioria preto e pardo – mas tinha um japonês no meio, tá sabendo? – todos com o rosto tranqüilo, sem horror, sabendo que tinha se cumprido a sina deles e acabado a encheção de saco que é viver nesse mundo, nesse dia, sei lá, eu não consegui comer a Larinha. Ela tentou de tudo, mas meu pau, esse Hércules que é meu pau, não subiu de jeito nenhum, tá sabendo? Ficou uma minhocona mole, e a Larinha ficou balangando ele pra lá e pra cá, e rindo, e brincando com ele como se fosse uma boneca, e aquilo me irritou e eu pedi pra ela parar e me virei de lado. Ela perguntou “o que foi?” e eu respondi “nada” e ela perguntou se era algum problema no trabalho e eu disse pra ela “odeio falar de trabalho, você tá cansada de saber disso, tá sabendo?” e ela começou a chorar e eu fico com o cu na mão toda vez que a Larinha chora, tá sabendo? E fiz um carinho nela e pedi pra ela me ler um poema do Brecht e então ela leu e nós adormecemos. No outro dia eu não conseguia trabalhar e pela primeira vez tive nojo daqueles defuntos que chegavam, e náusea com o cheiro, um enjôo que só senti quando pisei naquela merda pela primeira vez mais de dez anos atrás, tá sabendo? Pra piorar, chegou o corpo de uma velha gorda, o corpo estava em péssimo estado, manchado de verde e roxo e aquilo foi me dando uma agonia e eu pensava nos dezessete defuntos do Capão, nos pretos e no japonês, e pensava no corpo da Larinha e em todas as sacanagens que fazíamos na cama, mas aquilo não me excitava nem me dava vontade nenhuma, e foi me dando vontade de chorar. Mas eu nunca chorei, tá sabendo? Então pensei “o que está acontecendo comigo?” e larguei o corpo da velha lá, e quando ia saindo percebi que não teve um puto pra fechar as pálpebras dela, e a velha estava me encarando com os olhos esbugalhados, e então eu, um sujeito que nunca tive medo nem de assombração, queimei o chão sem dar tempo nem pro pensamento me alcançar, tá sabendo? Cheguei em casa e a Larinha tava fazendo torta de ameixa, e eu disse “larga essa merda aí”, e puxei ela pro quarto e fiquei inteiramente nu e mandei ela tirar a roupa também, e a Larinha não estava entendendo nada, mas tirou o avental, depois tirou o shorts e a camiseta que estava vestindo, e ela estava de cabelos presos e aquilo me deu um princípio de ereção, e coloquei ela pra chupar meu pau e ela chupava e a ereção ia aumentando e eu não consegui conter um riso de alegria e botei ela de quatro pra comer o cuzinho dela, tá sabendo? Mas quando comecei os movimentos, lembrei dos defuntos e desesperado vi a ereção indo embora, e caí na cama suado e arrasado, a Larinha do lado sem coragem de dizer nada, e ficamos os dois muito tempo calados, até que eu disse “minha filha, vamos cuidar da vida, tá sabendo?” e fomos tomar banho.


E por isso que estou aqui hoje, falando com o senhor, vendo se o distinto pode me ajudar, tá sabendo? Foram mais de dez anos lidando com aqueles malditos defuntos, fazendo sempre o trabalho mais sujo e asqueroso, mas isso nunca afetou a minha virilidade, tá sabendo? Agora, por quê não consigo tirar da minha cabeça os dezessete defuntos do Capão, a velha gorda olhando pra mim com os olhos arregalados, o cachorro atropelado na rua, que virou uma pasta vermelha no chão, e o bebê encontrado no lixo, pretinho e com dois olhinhos que mais pareciam bolinhas de gude, com um rato preso no calcanhar? Por quê não consigo mais foder com a minha mulher? Por quê, doutor? Minha cabeça percorre o cemitério enorme, sem limite, onde jazem no alvor d’uma luz branca e terna os povos da História antiga e a da moderna. É Baudelaire, tá sabendo?

Por Rafael Gimenez