quinta-feira, 11 de março de 2010

Colhão de sobra

A minha vida inteira eu fui um cagão. Um bunda-mole. Uma ex-namorada costumava me dizer que eu “gosto das coisas amenas”. Bobagem. Eufemismo tolo pra me chamar de frouxo. Frouxo mesmo? Certamente. Mas é bobagem ficar aqui choramingando. Melhor eu me concentrar em narrar o dia derradeiro da minha vida, o dia em que explodi e resolvi mandar tudo pras picas. Eu estava numa puta má fase. Depois de três anos sendo ininterruptamente sacaneado pelo meu patrão, um sujeito com curso primário, que fala “menas” “vinhemos” e “pobrema”, eu fui para o escritório decidido a pedir as contas. Quer dizer, mais ou menos. Falei: Ou você me dá um aumento, ou eu saio. Tinha fé que o blefe ia dar certo. Que ele ia se sensibilizar com a minha condição deprimente, com o salário muito abaixo do piso que me pagava, com todos os anos de dedicação e bons serviços prestados. Ele olhou pra minha cara, colocou um sorrisinho irônico no canto da boca e disse: Você quem sabe. Levantou pra sair, mas antes anunciou: Contratei um novo vendedor. Tá aí fora. Explica pra ele como é o esquema. Uma voz interior me dizia que eu não tinha que explicar porra nenhuma, que nem da equipe de vendas eu era e que, além disso, eu tinha pedido demissão. Eu saí pelo corredor, enchi um copinho de plástico com água e bebi de um gole só. Expliquei pro cara, um chucro, como era o esquema. Porra.

Peguei um ônibus que lá pelos lados do Bom Retiro começou a lotar. Sentou-se ao meu lado uma mulher muito gorda. E muito feia. Se esticou toda na minha frente, abriu a janela, fez um bolota com o saquinho de alguma coisa que ela tinha acabado de comer e atirou pela janela. Depois sentou-se novamente e tirou um celular da bolsa. A mulher tinha cara de pobre, e era pobre, mas o celular dela era muito mais incrementado que o meu. Então ela colocou uma merda de música alta, um forró desgraçado que não me deixava ler o que eu estava tentando ler, e eu olhei em volta e percebi que era o único incomodado com a situação, que as pessoas no ônibus já não estavam nem aí. E a gorda desligava o celular e eu pensava que aquele tormento tinha terminado, mas aí ela ligava de novo, com a mesma música, e eu fiquei com vontade de dizer pra ela que ela era uma imbecil, uma inútil, que um genocídio para pessoas como ela e os conterrâneos dela não seria uma má solução, um monte de paraíbas safados que quando não são analfabetos (não deviam deixar analfabetos comprarem telefones celulares), tem preguiça mental demais para ler aquela merda de aviso, colado no vidro do lado da cadeira do cobrador, no qual estão os dizeres “Proibido o uso de aparelhos sonoros no interior deste veículo, lei tal ano tal, etecetera”, que ela devia fazer um favor aos usuários do transporte coletivo e começar a andar somente a pé, mas isso apenas depois de fazer um curso para pedestre. E que enfiasse o celular no cu. Pensei em dizer tudo isso, mas me limitei a ficar abrindo e fechando o livro e fazendo cara feia, pra ver se a maquinista de trem fantasma se tocava. Ela notou minha irritação e riu. Acintosamente. Porra.

O dia estava uma merda mesmo, então resolvi não ir direto pra casa. Fui jogar bilhar no boteco. A dinheiro. Não há nada pior para embucetar de vez com o humor de alguém do que perder um jogo estúpido. Ainda mais quando há dinheiro envolvido. E principalmente quando você acha que estão te roubando. E eu sempre acho que estão me roubando. Na quinta partida seguida que perdi, perdi também a paciência. Joguei o taco na mesa e saí, o pessoal falando “mas, o que que é isso”, “volta aqui, porra” etecetera. Mas olhei pra trás e eles estavam rindo, um até mesmo chegou a dizer “é um ganso mesmo, vacilão da porra”. Porra.

Sinuca, carteado. Quanta perda de tempo. Sabia na verdade qual era o meu problema, no fundo. Falta de sexo. Já ia mais de um ano que eu não transava. Mulher nenhuma queria dar pra mim, por causa da minha feiúra – eu sou feio e atarracado - e a secura já ia alta. Pra completar, eu dividia apartamento com mais dois caras que todos os dias levavam algum brotinho pra comer lá, e eu ouvia os gemidos, os gritos e sabia que os putos atiçavam as piranhas pra gritarem e gemerem alto só pra me sacanear. E quase todo dia era assim, e por isso mesmo eu já não tinha tesão nenhum de ir pra casa, tocar aquela punheta murcha no banho, pensando na vizinha gostosa ou na secretária do chefe que só me provocava mas tirava o corpo fora na hora H. Eu estava fodido, mas tão fodido, que nem dinheiro pra pagar uma puta eu tinha. E a tendência era só piorar, eu ficava excitado só de ver a lingerie aparecendo no desenho da menina da fachada da Casa das Calcinhas.

Então não sei como surgiu e se instalou na minha cabeça a ideia fixa que mudou a minha vida. Só sei que tomei um ônibus e fui para perto da casa da minha ex-namorada. Uma que tinha me dado o pé na bunda fazia mais de dois anos, não sem antes me cornear, sacanear e esculachar, me dizendo um monte de groselhas. Entre elas, a de que eu era um bunda-mole. (Tenho a impressão de que já a citei aqui). Estranho, fiquei na rua escura espreitando a casa dela, eu não sabia o que estava fazendo. Descobri quando ela chegou. Que delícia, eu estava com saudades daquele corpinho, dos gemidos dela, das loucuras que a gente fazia na cama. A verdade é que, sem ela, a minha vida tava mesmo uma merda completa. Abordei-a, ela tomou um tremendo susto. Fui direto ao assunto, eu quero você, de novo. Ela respondeu que eu estava maluco. Maluco? Eu estava maluco, porra. Puxei-a pelo braço, puxei pelos cabelos, arrastei pra uma esquina deserta. Ela ficou sem reação, talvez estivesse paralisada de medo, mas podia ser também um tesão enrustido e inconfesso. Não ofereceu resistência, e eu a empurrei contra o muro, de costas para mim, e levantei sua saia, abaixei a calcinha, tudo com uma mão só, com a outra fui abrindo meu cinto, o zíper, baixando as calças. Estava fora de mim, e foi juntando todo aquele estresse, e a energia contida de anos levando desaforo pra casa, tomando no fiofó, vendo os outros se dando bem enquanto eu estava a nenhum. Botei o pau pra fora e, puta merda. Que desgraça. Estava mole. Mandei-a agachar e me chupar, e ela chupou a contragosto, durante intermináveis minutos, e meu pau continuava mole. Eu comecei a chorar de nervoso, ela olhou pra minha cara com nojo, disse que eu continuava um bunda-mole mesmo. Então fiquei puto. Senti um troço, um afluxo de sangue, meu rosto inteiro formigava, devia estar vermelho feito um pimentão e eu tremia como se estivesse tendo um ataque epilético. Ela ainda estava com meu pau na mão e vimos quando ele começou a crescer numa ereção contínua e interminável. Aquilo era uma loucura, e só na loucura ou num sonho psicodélico se justificaria o sorriso satânico que se instalou no rosto dela, a voz mole dizendo “hum, seu safado” e depois tomarmos um puta susto quando meu saco começou a inchar, inchar, inchar e ficar do tamanho de um limão. Comecei a urrar de dor, e fiquei meio verde feito o doutor Banner se transformando no Hulk, e os músculos do meu pescoço retesaram, meus dentes trincaram, minhas pupilas se dilataram e senti que ia desmaiar. Antes de apagar, deu tempo de ouvir um barulho seco como o de uma bexiga cheia de ar sendo estourada. E vi, ainda antes do sangue sair do meu corpo e eu ficar lívido, a minha pele cedendo, e meu testículo direito sendo expelido pra fora como a espoleta saindo de um revólver.
Agora estou no hospital, com o escroto enfaixado. Somente amanhã vou poder ver como ficou. Minha ex teve a bondade de recolher meu testículo direito e trazer para o reimplante. O esquerdo, segundo ela, ricocheteou no ar e caiu na rua. Ela não conseguiu localizar. Deve ter caído num bueiro. Porra.


Rafael Gimenez

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