terça-feira, 30 de março de 2010

Lágrima

Crédito da foto: http://www.flickr.com/photos/coitadacassia - imagem meramente ilustrativa.


Hannelore – moça canadense, vinda do intercâmbio, com seus 17 aninhos, 11 meses e 30 dias – deitava na cama. A minha cama, de solteiro. Aninhava-se em mim para ouvirmos juntos a trilha de Beleza Americana no computador, enquanto eu estava tentando enrolar meu primeiro baseado.

Por alguma presepada quando fui montar a pasta dos MP3, entra Massive Attack depois de ‘Choking The Bishop’, aquela música onde o Kevin Spacey toca uma pensando que está entrando no banheiro e encontra a Mena Suvari – loirinha, ninfeta e biscate – numa banheira cheia de pétalas de rosas. Dei o trago e passei para a mocinha branquela e com olheiras de urso panda, enquando dedilhava por suas coxinhas magrelas.

Love, love is a verb
Love is a doing word
Fearless on my breath


Além do cheiro de incenso e fumo, sentia o cheiro do perfume em seu pescoço (sempre digo pescoço, mas o povo costuma chamar de “cangote”. Não gosto dessa palavra, me lembra a novela da Tieta, Deus sabe o motivo).

Ela já entendia um pouco de português, então fui dizendo bem ao pé do ouvido dela, com minha voz sacana e numa mistura de português e inglês com sotaque indiano, sobre como eu achava aquele cheiro a tradução do paraíso. A desgraçadinha me olhou e disse: “Let’s do it”.

Meu passaporte para o inferno estava pronto. E eu ia tocando piano. Igual ao Jerry Lee Lewis.

Gentle impulsion
Shakes me makes me lighter
Fearless on my breath


A música continuava tocando solta enquanto eu descia pelo abdome dela, liso e com marcas de sol. Demorei-me um pouco alisando as costelas dela enquanto beijava e passava a língua de leve em seu umbigo. Fiz um passeio por seu ventre (ainda por cima da calcinha), e segui beijando e acariciando suas pernas longas e lisas como um lençol de cetim. (Deus abençoe o Ocidente e seus padrões estritos de beleza) até chegar a seus pés.

Sempre tive esse fetiche por pés, e sempre me colocava numa posição que me permitia vê-la como Moisés viu a Terra Prometida antes de morrer. O rosto semiiluminado pela noite de lua cheia, o sorriso leve no rosto, aqueles dois suspirinhos apontados para cima. Aquilo era a prova de que Deus existia. E como queria tomar aquilo tudo para mim.

Eu poderia, naquele instante, em que eu já estava pronto, ter simplesmente a comido como qualquer outro talarico faria. Ela, na minha opinião, merecia um pouco mais de brincadeiras. Ainda mais quando notei que ela ainda era virgem. Jackpot, como dizem lá na gringa. Acertei no milhar.

A calcinha dela estava bem longe quando tomei seu quadril para mim e coloquei-o ao alcance do meu rosto. O reflexo inicial mostrava que ela ainda não tinha pleno conhecimento do seu corpo, e pensava comigo mesmo “Isso não pode ser verdade”. Pensar enquanto se prova do licor de uma ninfeta é o pior pecado que existe, pior que tomar vinho do Porto com gelo no copo de plástico. Recobrei-me dos meus pensamentos e continuei sentindo aquele cheiro e aquele gosto adocicado.
Sabia que daquele ponto em diante, pelo menos para mim, não teria retorno. Mas dependia exclusivamente dela. Quando subi e comecei a beijar, acariciar e brincar com os seus mamilos, notei uma pequena lágrima no canto do olho dela. Acho que eu a assustei. Para quem oficialmente era virgem, a primeira base tinha ficado há alguns quilômetros para trás.

- Se quiser parar, é só dizer.
- Get on with it. Continua. Está bom.

Water is my eye
Most faithful mirror
Fearless on my breath

Coloquei-a sobre mim, com todo o cuidado do mundo. Sabia que qualquer erro iria colocar todo o trabalho a perder. Deixei-a se acostumar. Relaxar. Curtir a viagem. Ela pegou o baseado, acendeu-o de novo e deu uma tragada enquanto estava em cima de mim. Senti-a se revolver dentro de si. Como se deixasse algo dentro dela fluir, sair, tomar conta. Ela descobrira alguma coisa naqueles quinze segundos em que eu estava debaixo dela, vendo-a nua, descabelada. Foi como ver o paraíso dessa vez.
Subindo o ritmo, pouco a pouco, colocando-a em contato com o Diabo, fazendo-a ter um orgasmo de verdade. O pecado da vaidade de pensar em fazê-la gozar me fazia ir em frente. Me inspirava, me deixava mais em ponto de bala ainda.
-Feliz aniversário, Hanners.

Teardrop on the fire of a confession
Fearless on my breath
Most faithful mirror
Fearless on my breath


Passei alguns dias andando nas nuvens. Aquela tinha sido a minha primeira boa trepada em meses de seca absoluta. Um retorno digno de Elvis Presley. Algumas semanas depois, eu a vi chegando da escola. Dez minutos depois, um moleque com cabelos espetados chegou em casa. Ela subiu direto para o quarto.

Ouviram Massive Attack a tarde inteira. Sozinhos. No quarto. Pingo é letra, e música sob portas fechadas é roteiro para coisas na mente de qualquer um.
Hannelore Saiu do quarto pouco antes do jantar, me abraçou com carinho e me beijou a testa, quanto estava um patamar mais baixo. “Obrigada”, ela sussurrou com uma voz quase em pedido de perdão.

Foi ali que eu descobri que, durante todo o lance, em nenhum momento estive no comando da situação. E nunca estaremos.

You're stumbling a little...


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- Meus mais sinceros pedidos de perdão a Dalton Trevisan.



Por André Diniz.
blog: http://thecokeinc.blogspot.com/

sábado, 27 de março de 2010

Cooper feito

Sempre, todas as manhãs (seja ela de sábado, domingo, ou feriado) como o meu sagrado meio mamão macho e bebo um copo de leite semidesnatado e vou ao parque que fica próximo à minha casa correr. Faço um severo alongamento igual a um que vi no youtube, feito por bailarinas da antiga União Soviética. Dei um jeito de fazer o download, pois manjo muito de informática, e decorei os procedimentos. Tem até uns velhinhos lá no parque que discretamente me imitam, mas, modéstia a parte, eles não me acompanham quando estico minhas pernas até os meus pés ficarem acima da cabeça, apoiados numa barra, e assim permanecer por um minuto e meio cronometrado. Também faço exercícios de massa muscular como barras, flexões variadas, abdominais. Vou pra lá correr e ver mulher, mas delas falo já – como mestre de cerimônias que se preze, tenho que começar pelo trivial, ambientar o leitor ao diálogo e depois pumba!


Dias atrás, quando eu ainda era um desempregado. Sim, hoje me considero um profissional liberal mesmo que sem ter firma aberta. Quando eu ainda me considerava um frustrado socialmente (não que eu fosse desses babacas depressivos, não). Frustrado porque o que eu gostava de fazer não me dava dinheiro e, por isso, trabalhava por algum tempo num emprego-diurno, com dizem os americanos... até juntar dinheiro para ficar outro tempo fazendo somente o que eu gosto. Dinheiro para comprar mamão, leite semidesnatado e carne. O que é uma vida sem prazeres, afinal? É o mesmo que nada – se você não sente prazer é porque você não dá prazer, e de que serve um homem se não dá prazer a ninguém?


Nesse dia aí, do qual eu ia falar antes de ficar divagando, fiz tudo como de costume. Tomei o café da manhã, corri até o parque, me alonguei trocando olhares com as mulheres, depois fui para a corrida. No alongamento de depois do Cooper feito foi que vi as duas: uma sentada no banco e a outra deitada, com a cabeça no colo da primeira. Eram mulheres jovens e, certamente, estavam matando aula, pois usavam uniforme de uma escola particular que fica próxima daqui. Não eram lá muito bonitas, mas intimidade e isso me enfeitiça. Não titubeei, postei bem em frente a elas e comecei minha sessão de alongamento e olhares fugazes que, depois, tornaram-se voluptuosos. Elas começaram a dar risadinhas, mas o ponto alto no flerte foi quando a que estava sentada começou a acariciar a barriga da deitada. Não agüentei.


“Vocês têm horas?”. “Tenho sim, peraí” “dez e seis”, a outra respondeu. “Obrigado, é que meu relógio quebrou...”. Silêncio e olhares. Elas seguravam o riso, mas não deixavam de me encarar. Nunca fui muito bom de xaveco, dessas conversas moles que os homens desenvolvem para mostrar às mulheres que são capazes de lhes dar proteção e prazer (nesta ordem). Agachei-me e apoiei o cotovelo no joelho da que estava sentada, sem tirar os olhos de seus olhos. “Você está todo suado!” “suado e salgado” respondi. Sei que foi idiotice, mas menos idiota que ficar calado. “Credo!” “ah, outro dia você disse que eu estava salgada e se lambuzou toda” interveio a deitada, “pare de falar assim com o moço!”


Ah, nessa hora meu coração foi a mil. E olha a adrenalina não costuma fazer muito efeito no meu corpo, ainda mais após um treino puxado como foi o de hoje, mas dessa vez fiquei fervendo mesmo. “Quero as duas”, eu disse, sem piscar. Elas se riram.

Resumindo, me passaram o endereço da casa de uma delas e marcamos para o dia seguinte, às três da tarde, pois é hora que a doméstica do apartamento vai embora. Era só chegar à portaria e falar que era o técnico de informática. Elas queriam que eu falasse que era o encanador, mas não tenho nem cara nem idade de encanador e, se tem uma coisa que faço que se aproxime de uma profissão, essa coisa é trabalhar o físico e a mente de computadores.


No outro dia peguei leve no treino para ter energia para as duas. Já fiz isso antes, mas é sempre uma missão bolivariana conquistar dois continentes de forma satisfatória. Arrumei-me, coloquei a camiseta regata da sorte e fui. Na portaria falei o combinado, “sou Aldebaran, técnico de informática”. “Já estava avisado que chegaria, pode subir.” Essa foi fácil, pensei, mesmo usando meu nickname. Mas quando estava passando em frente à cabine, ele ainda me perguntou sobre a pasta com o material de trabalho. Nunca respondo nada rápido, mas dessa vez fui ligeiro e me alegro até hoje por ter falado que era apenas um orçamento de análise de hardware. Quanto mais difícil a resposta, mais entendida ela é, disso sempre eu soube e não importava que troquei software por hardware – que se dane.


Conferi o número do apartamento antes de tocar a campainha, estava ok. Respirei fundo e pumba! Mas aí começou minha confusão mental: por que diabos uma senhora de meia idade, vestida de roupão, abriria a porta, sorrindo? Três já é demais, pensei. Que fosse isso... mas elas poderiam ter me avisado que entrou mais uma na jogada. “Entre, por favor”. “Com licença”. “O computador fica lá no quarto, você prefere consertá-lo lá ou aqui na sala mesmo?” Não esperava essa pergunta, então escolhi o quarto, depois de hesitar um pouco. “Vocês cobram adiantado, não é? O dinheiro está aqui em cima, pode pegá-lo e guardá-lo. Mas se solte um pouco mais, até parece que nunca consertou um computador antes!” O sorrisinho faceiro dela e a entonação que dava à palavra computador me deixavam ressabiado. Resolvi, então, perguntar “e as meninas que chamaram os meus serviços... acho que precisarei delas para arrumar o computador” .“Ah sim, elas estão no cursinho pré-vestibular. Mas o computador que precisa de reparo é o meu”. Daí a ficha realmente caiu. Não estava querendo acreditar mas era fato, as danadinhas (e a danadona) me deram um golpe. Eu era, definitivamente, um puto. Estava já me voltando para ir embora, indignado, quando vi as três onças em cima da mesa. ‘Afinal’, pensei, ‘de que serve um homem se não dá prazer pra ninguém?’.


Enchi o peito de ar e fui para cima da La Vecchia Signora. No quarto, a primeira coisa que fiz foi fechar a janela, afinal, o que os olhos não veem o pau não recusa. Mas ela tratou de acender a luz para “ver esse seu corpão que, durante uma hora, será meu”. E foi mesmo. Ela é alucinante. Tem um domínio técnico apurado que promove uma transa sistemática com tudo sob controle – causa e consequência.


No quesito libertinagem, as mulheres mais experientes dão um banho nas mais mocinhas. E isso fascina todo homem que sonha reproduzir todas as sacanagens acumuladas em anos de filmes do gênero. E o buraco símbolo dessa distinção entre as idades femininas é o ânus. Uma mulher pode se considerar amadurecida quando tem segurança o suficiente para compartilhar esse laço estreito com o homem que escolheu para ser seu naquela noite. Não é questão de ser promíscua, e sim de aceitar toda forma de prazer sem ter a preocupação maior do que os outros irão pensar a seu respeito. E nesse quesito, meus amigos, essa dona daria aula de pós-graduação devido ao trabalho em pesquisa teórica e de campo que sua técnica exige. O controle muscular da cavidade e a sintonia com os movimentos do corpo me fez nunca desejar que o gozo chegasse e parte de mim caísse fraca, flácida, encolhida em si mesma. Mas, quando esse ponto chegou e eu não pude segurar, a capacidade altruísta dessa senhora foi tamanha que essa mesma parte de mim nem sentiu o baque da energia dissipada no momento máximo do futebol e agüentou outra partida sem tempo técnico.


Enfim, o cu perfeito.


Quando estava esgotado, ela me avisou que havíamos passado da hora cheia, que é de praxe nesses serviços. “Como é a primeira vez que arrumo seu computador, a prioridade é a satisfação da cliente.” Ela sorriu e pude prestar atenção à sua face rechonchuda e aos dentes manchados de nicotina e, mesmo nessa situação, de puto de uma dona de casa infeliz, sorri de volta. Afinal de que vale um homem se não...


Vestindo-me, perguntei qual era a jogada com as meninas. “Pedi três vezes para elas me arrumarem um garanhão nas academias da redondeza. Mas, das duas vezes, vieram saradões que tinham, por assim dizer, disfunção erétil de origem emocional e não cumpriram bem o proposto. O outro não quis fazer o serviço. Então, dessa vez, pedi que elas fossem ao parque estadual.” “Mas quem são elas?” “Ah, elas moram aqui no condomínio. Em troca desse favor deixo que elas usem um dos quartos para brincarem em paz.”


Deixei meu telefone com ela e pedi que me indicasse para amigas. Já me acostumara com a idéia – o ser humano se adapta a tudo, dizem. Como ela dissera que não tinha amigas na mesma situação, então falei que tudo bem. O dinheiro que ganhei nessa tarde investi em propaganda, afinal, essa é a alma do negócio, não? E deu certo, foi assim que arrumei uma profissão que me permite fazer o que mais gosto. Só adicionei amendoim e catuaba à minha dieta.


E serei eternamente grato àquele cu perfeito.


Sobre o autor:

Wellington Souza é poeta, contista e aspirante a tecnocrata.

blog: www.hiper-link.blogspot.com


sábado, 13 de março de 2010

Antes que o corpo esfrie

Dona Gertrudes esperava o leite ferver na panela quando caiu dura no chão. Seu filho Belisário encontrou-a morta assim que chegou do trabalho. Pela primeira vez em sua vida viu-se livre da presença opressora e permanente da mãe. Filho único, abandonado pelo pai, foi criado sob mil cuidados e olhares por aquela mulher austera, amargurada, neurótica, possessiva. Tinha agora trinta e dois anos e jamais ficara nu na frente de uma mulher que não fosse a mãe.

A notícia da morte da velha correu por todos os ouvidos e o velório foi um evento. Boa parte das pessoas, condoídas com a situação do pobre rapaz, compareceram para dar apoio. Outras, contudo, conhecendo o temperamento mesquinho da falecida, foram confirmar se ela realmente havia morrido e gozar a visão do corpo acondicionado no caixão, mantendo a expressão dura que carregou em seu rosto durante todos os anos de sua vida e que agora levaria para o inferno. As velhas do bairro não tinham dúvida: ela iria para o inferno.

O fato é que Belisário era um rapaz muito querido por todos. Sua timidez e educação cativaram todos os vizinhos, ao longo dos anos. Era diferente dos rapazes de sua idade. Não saía pela vila de madrugada fazendo algazarra, bebendo e desrespeitando as moças. Mais de uma senhora desejara-o como genro, mas dona Gertrudes espantava todas as pretendentes. Os homens achavam que ele era por demais afeminado, que não devia gostar da fruta. E esse era o assunto na casa de Soninha no exato momento em que acontecia o velório. Seu irmão Joaquim tentava em vão convencer a ela e as amigas Lena e Graça de que Belisário era um maricas e que a morte da mãe não mudaria seu comportamento. "Nem mesmo belas mulheres como vocês conseguiriam levá-lo para o bom caminho", disse jocosamente Joaquim. Soninha então ergueu-se e propôs uma aposta.

"Que tipo de aposta?", perguntou Lena.

"Nós três tentaremos seduzir o pamonha. Se uma de nós tiver sucesso, Joaquim terá de acompanhar a vencedora do feito ao Baile da Primavera".

"Mas e se você conseguir? Joaquim é seu irmão", lembrou Graça.

Os dois irmãos trocaram um rápido e furtivo olhar.

"Não importa", respondeu Soninha. "Ele me recompensará de outra maneira".

Todos se olharam sérios até que Lena quebrou o silêncio:

"Está bem. Particularmente acho o Joaquim um boçal, mas admito que não há pessoa melhor para me acompanhar ao baile". O desdém de Lena era mal dissimulado e todos sabiam que ela era apaixonada por Joaquim, bem como Graça.

"Estão está decidido. Vamos nos enlutar para o velório", Soninha convocou.


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Quando Soninha, Graça, Lena e Joaquim chegaram ao velório para cumprimentar Belisário, o clima geral foi de escândalo. As três jovens usavam vestidos escuros, porém decotados e provocantes. A boca de Soninha estava pintada de escarlate, e um forte perfume emanava dela e tomava conta do ambiente. Uma velha disse para outra, em tom sarcástico: "a velha Gertrudes vai sacolejar dentro da caixa".

"Meus sentimentos, Belisário", disse Soninha ao ouvido do orfão. E completou, com voz sensual: "Estou ao seu dispor, para tudo o que precisar".

"Sinto por sua mãe. Você está mais bonito nesse terno escuro", tratou de dizer em seguida Lena, para mostrar ao rapaz suas intenções. Foi suavemente empurrada por Graça, que das três era a que tinha o vestido mais decotado, deixando entrever o nascimento de seios firmes e arredondados e o matiz moreno de sua pele lisa e brilhante. Disse-lhe, também num sussurro ao pé do ouvido:

"Livre-se dessa gente e me encontre nos fundos. Vou fazer coisas muito agradáveis para você".

Belisário a cada um desses cumprimentos mostrou-se surpreso e inibido. Respondia um "muito obrigado" quase inaudível, olhando para o chão e dando a impressão de que iria fugir correndo a qualquer momento. Joaquim, que olhava a cena divertido, aproximou-se.

"Pois é, meu camarada. A tua velha morreu, mas você está vivo. Pode contar comigo, Joaquim de Mattos, como o teu mais novo amigo". E virando-se para os presentes, disse em voz alta:

"Peço desculpas aos senhores, mas vou monopolizar a atenção do Belisário por um minutinho".

Puxou-o pelo braço, em direção aos fundos da casa.

"É, é isso aí. Isso aí. Você fuma? Não? Pega, é um charuto. É especial para este momento, pega".

Belisário recusou, mas Joaquim enfiou-lhe o charuto na boca, depois de morder ele mesmo a ponta para cortá-la, e acendeu com um pálito de fósforo. Belisário teve um acesso de tosse e Joaquim o observou sorrindo até que cessasse. Então disse:

"Vou ser direto com você, meu camaradinha. Eu sou um homem de negócios, muito prático, e resolvo as coisas sem muito embaraço. Apostei com essas três aí que você é veado. E sei que você é veado, todo mundo aqui sabe". Ficou em silêncio um instante observando a reação de Belisário, que o olhava assustado, e continuou: "Elas vão me pagar uma garrafa de uísque se tentarem te beijar e você der chilique. Porém, se você mostrar pra uma delas algum sinal da sua, digamos, masculinidade se manifestando, eu vou ter que levar a moça em questão pra um baile idiota e depois papar a 'sortuda'. Só que eu já tenho uma mulher pra papar nesse baile, e ela é muito melhor do que as amigas bobas da minha irmã. Então eu quero que você apenas cumpra com o que sua natureza já conhece: quando elas vierem, uma depois da outra, fazer graça pra você, comece a chorar. Ou então saia correndo. Ou então diga algo como 'o que é isso, senhorita? Pelo que está me tomando?' É boa essa frase, não é? Não é frase de bichona? Ha ha!"

Belisário continuou olhando assustado para Joaquim, sem dizer palavra. Meneou a cabeça afirmativamente quando este sussurrou com voz dura em seus ouvidos a advertência final de que contava com ele.


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Assim que voltaram para a sala e Belisário novamente se postou ao lado do caixão, lentamente Graça se aproximou dele. Sentou-se no seu colo e começou a beijar-lhe o pescoço. Todos no recinto, atônitos, observavam a cena. Belisário gaguejou: "A se-senhorita está louca... Estamos no velório de minha mãe..."


"Eu quero você esta noite. Pouco me importa a puta de tua mãe. Vem, vou te dar meu sexo, depois vou te dar meu ânus, vou te lamber todinho, vamos subir para o quarto que eu vou fazer você esquecer tudo e te dar muito prazer". Graça, enquanto sussurrava essas palavras, pensava em Joaquim, lembrando-se do corpo dele, de seu pênis rijo que ela segurou com as duas mãos, de como ele a obrigou a aplicar-lhe sexo oral, agarrando sua cabeça com força, puxando os seus cabelos. Ela queria passar de novo por aquilo, beber novamente o sêmen de Joaquim, fingindo-se horrorizada quando ele mais uma vez a obrigasse a isso. Mas Joaquim, nos últimos tempos, só a esnobava. Só saía com mulheres mais velhas, geralmente abastadas, que o sustentavam sem que seus pais soubessem. Imaginando Joaquim, Graça enfiou a língua no ouvido de Belisário, que tremia e quase chorava. Foi puxada por Lena, que disse em voz alta:


"Estás louca? O que está fazendo?", e puxando Belisário pelo braço: "Venha, ela está fora de si. Vou levá-lo para um lugar onde possa recompor-se". Soninha e Joaquim, que olhavam a cena sorrindo discretamente, entreolharam-se e seguiram os dois.


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Lena levou Belisário pelo braço até o quarto, como se faz com uma criança. Lá chegando, antes de abrir a porta e entrar, tirou toda a roupa. Belisário, em estado de choque, deu um passo atrás. Lena pegou sua mão e conduziu-a até seu seio esquerdo.

"Pega. Isso. Você gosta? Não é macio?"

Belisário retirou a mão com força e desceu as escadas correndo. Lena atrás dele. Cruzaram na volta com Joaquim e Soninha, que subiam as escadas para ir ao encontro deles. Surgiram na sala, Lena nua em pêlo. Aquele escândalo insólito gerou um grande burburinho de vozes, gritos e interjeições de espanto. Uma senhora desmaiou com a cena. Outras começaram a deixar a sala. Ficaram apenas Belisário, Lena, Graça, Soninha e Joaquim, e alguns homens soturnos, que observavam a tudo com curiosidade interior.


Lena avançou na direção de Belisário, que recuou até bater de encontro ao caixão da mãe. Acuado, nada pôde fazer quando a mulher começou a abrir-lhe os botões do paletó, depois a camisa. Graça chegou por trás dele, despindo-se também, e beijando-lhe o pescoço, a orelha, e finalmente a boca, com sofreguidão, fazendo-lhe engolir o beijo como ele outrora engolira a fumaça do charuto. Joaquim observava a cena com expressão libertina e, ao olhar para o lado, viu que a irmã estava sentada próxima, com um dos seios à mostra e a mão por baixo da saia, tocando-se. Disse-lhe: "Verás agora a revelação de que lhe preveni. Ele vai rejeitar as moças, vai mostrar a plenitude de sua veadagem. Veja". E para Belisário: "Meu camaradinha, acabe logo com isso. Diga logo para as damas que você não gosta do que elas tem para lhe oferecer".


Belisário então desvincilhou-se das duas, que já tinham lhe tirado o paletó, a gravata, as calças e a camisa, deixando-lhe só de cuecas. Virou-se para Joaquim, abaixou a cueca, balançou na sua frente seu enorme pau totalmente duro e disse, com ar raivoso:

"Te parece, idiota, que eu não gosto disso? Você sabe por quanto tempo eu esperei essa putaria?"

Dirigiu-se em seguida para Graça, que posicionou de costas para ele, com as mãos apoiadas na alça do caixão de dona Gertrudes, e penetrou-lhe com vontade, dizendo em voz alta os maiores absurdos, apertando-lhe as coxas, arranhando-lhe as costas e dando tapas sonoros nas nádegas. Enquanto comia esta, pediu para Lena lhe lamber o cu, o que ela fez prontamente. Soninha vendo tudo masturbou-se com ainda mais vontade, gritando os nomes mais sujos, sentindo-se observada pelo irmão e pelos homens soturnos que tinham permanecido na casa. A essa altura, tanto Joaquim quanto os desconhecidos já se masturbavam calmamente, gozando aquela situação grotesca. Belisário permanecia muito sério e agora mudo. Após fazer Graça gozar, se encarregou de comer Lena, também apoiada no caixão, mas de frente para ele, com as pernas bem abertas.


Graça foi ao encontro de Joaquim e, de joelhos na frente dele, lambeu-lhe demoradamente o pau. Os homens soturnos rodearam Soninha e se masturbaram ao redor dela, vendo-a masturbando-se. Soninha gritava, Lena gritava, Graça - agora sentindo-se feliz enquanto era enrabada por Joaquim - gritava e apenas Belisário e os homens soturnos permaneciam sérios e mudos. Belisário, sentindo-se aproximar o êxtase do primeiro desabrochar de sua vida, por tanto tempo aguardado em segredo, agarrou Lena pelos cabelos e colocou-a de joelhos em sua frente. Lambuzou-a toda com seu jorro. Ao mesmo tempo, Soninha teve o corpo marcado pelo jorro dos homens soturnos, e seu irmão Joaquim despejava sêmen no abdôme de Graça, após ela ter implorado para recebê-lo na boca. Todos ainda arfavam e mudos imaginavam o que se passava na cabeça de cada um, quando ouviram um barulho no caixão, que se movimentava, seguido de um grito:

"Belisário. O que significa isso?"

Soninha, Graça, Lena e Joaquim gritaram de horror ao ver a velha Gertrudes levantando-se do caixão. Os homens soturnos, pela primeira vez até então, sorriram. Belisário disse: "Mamãe, eu posso explicar". Apanhou um candelabro ao alcance de sua mão e bateu-o com força na cabeça da ressurreta, que caiu desacordada no caixão.

"Velha do caralho. Que vá pro inferno", disse dando um tapinha na nádega de Lena.

O velório varou a madrugada e gemidos profundos quebraram o silêncio da noite e da morte.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Colhão de sobra

A minha vida inteira eu fui um cagão. Um bunda-mole. Uma ex-namorada costumava me dizer que eu “gosto das coisas amenas”. Bobagem. Eufemismo tolo pra me chamar de frouxo. Frouxo mesmo? Certamente. Mas é bobagem ficar aqui choramingando. Melhor eu me concentrar em narrar o dia derradeiro da minha vida, o dia em que explodi e resolvi mandar tudo pras picas. Eu estava numa puta má fase. Depois de três anos sendo ininterruptamente sacaneado pelo meu patrão, um sujeito com curso primário, que fala “menas” “vinhemos” e “pobrema”, eu fui para o escritório decidido a pedir as contas. Quer dizer, mais ou menos. Falei: Ou você me dá um aumento, ou eu saio. Tinha fé que o blefe ia dar certo. Que ele ia se sensibilizar com a minha condição deprimente, com o salário muito abaixo do piso que me pagava, com todos os anos de dedicação e bons serviços prestados. Ele olhou pra minha cara, colocou um sorrisinho irônico no canto da boca e disse: Você quem sabe. Levantou pra sair, mas antes anunciou: Contratei um novo vendedor. Tá aí fora. Explica pra ele como é o esquema. Uma voz interior me dizia que eu não tinha que explicar porra nenhuma, que nem da equipe de vendas eu era e que, além disso, eu tinha pedido demissão. Eu saí pelo corredor, enchi um copinho de plástico com água e bebi de um gole só. Expliquei pro cara, um chucro, como era o esquema. Porra.

Peguei um ônibus que lá pelos lados do Bom Retiro começou a lotar. Sentou-se ao meu lado uma mulher muito gorda. E muito feia. Se esticou toda na minha frente, abriu a janela, fez um bolota com o saquinho de alguma coisa que ela tinha acabado de comer e atirou pela janela. Depois sentou-se novamente e tirou um celular da bolsa. A mulher tinha cara de pobre, e era pobre, mas o celular dela era muito mais incrementado que o meu. Então ela colocou uma merda de música alta, um forró desgraçado que não me deixava ler o que eu estava tentando ler, e eu olhei em volta e percebi que era o único incomodado com a situação, que as pessoas no ônibus já não estavam nem aí. E a gorda desligava o celular e eu pensava que aquele tormento tinha terminado, mas aí ela ligava de novo, com a mesma música, e eu fiquei com vontade de dizer pra ela que ela era uma imbecil, uma inútil, que um genocídio para pessoas como ela e os conterrâneos dela não seria uma má solução, um monte de paraíbas safados que quando não são analfabetos (não deviam deixar analfabetos comprarem telefones celulares), tem preguiça mental demais para ler aquela merda de aviso, colado no vidro do lado da cadeira do cobrador, no qual estão os dizeres “Proibido o uso de aparelhos sonoros no interior deste veículo, lei tal ano tal, etecetera”, que ela devia fazer um favor aos usuários do transporte coletivo e começar a andar somente a pé, mas isso apenas depois de fazer um curso para pedestre. E que enfiasse o celular no cu. Pensei em dizer tudo isso, mas me limitei a ficar abrindo e fechando o livro e fazendo cara feia, pra ver se a maquinista de trem fantasma se tocava. Ela notou minha irritação e riu. Acintosamente. Porra.

O dia estava uma merda mesmo, então resolvi não ir direto pra casa. Fui jogar bilhar no boteco. A dinheiro. Não há nada pior para embucetar de vez com o humor de alguém do que perder um jogo estúpido. Ainda mais quando há dinheiro envolvido. E principalmente quando você acha que estão te roubando. E eu sempre acho que estão me roubando. Na quinta partida seguida que perdi, perdi também a paciência. Joguei o taco na mesa e saí, o pessoal falando “mas, o que que é isso”, “volta aqui, porra” etecetera. Mas olhei pra trás e eles estavam rindo, um até mesmo chegou a dizer “é um ganso mesmo, vacilão da porra”. Porra.

Sinuca, carteado. Quanta perda de tempo. Sabia na verdade qual era o meu problema, no fundo. Falta de sexo. Já ia mais de um ano que eu não transava. Mulher nenhuma queria dar pra mim, por causa da minha feiúra – eu sou feio e atarracado - e a secura já ia alta. Pra completar, eu dividia apartamento com mais dois caras que todos os dias levavam algum brotinho pra comer lá, e eu ouvia os gemidos, os gritos e sabia que os putos atiçavam as piranhas pra gritarem e gemerem alto só pra me sacanear. E quase todo dia era assim, e por isso mesmo eu já não tinha tesão nenhum de ir pra casa, tocar aquela punheta murcha no banho, pensando na vizinha gostosa ou na secretária do chefe que só me provocava mas tirava o corpo fora na hora H. Eu estava fodido, mas tão fodido, que nem dinheiro pra pagar uma puta eu tinha. E a tendência era só piorar, eu ficava excitado só de ver a lingerie aparecendo no desenho da menina da fachada da Casa das Calcinhas.

Então não sei como surgiu e se instalou na minha cabeça a ideia fixa que mudou a minha vida. Só sei que tomei um ônibus e fui para perto da casa da minha ex-namorada. Uma que tinha me dado o pé na bunda fazia mais de dois anos, não sem antes me cornear, sacanear e esculachar, me dizendo um monte de groselhas. Entre elas, a de que eu era um bunda-mole. (Tenho a impressão de que já a citei aqui). Estranho, fiquei na rua escura espreitando a casa dela, eu não sabia o que estava fazendo. Descobri quando ela chegou. Que delícia, eu estava com saudades daquele corpinho, dos gemidos dela, das loucuras que a gente fazia na cama. A verdade é que, sem ela, a minha vida tava mesmo uma merda completa. Abordei-a, ela tomou um tremendo susto. Fui direto ao assunto, eu quero você, de novo. Ela respondeu que eu estava maluco. Maluco? Eu estava maluco, porra. Puxei-a pelo braço, puxei pelos cabelos, arrastei pra uma esquina deserta. Ela ficou sem reação, talvez estivesse paralisada de medo, mas podia ser também um tesão enrustido e inconfesso. Não ofereceu resistência, e eu a empurrei contra o muro, de costas para mim, e levantei sua saia, abaixei a calcinha, tudo com uma mão só, com a outra fui abrindo meu cinto, o zíper, baixando as calças. Estava fora de mim, e foi juntando todo aquele estresse, e a energia contida de anos levando desaforo pra casa, tomando no fiofó, vendo os outros se dando bem enquanto eu estava a nenhum. Botei o pau pra fora e, puta merda. Que desgraça. Estava mole. Mandei-a agachar e me chupar, e ela chupou a contragosto, durante intermináveis minutos, e meu pau continuava mole. Eu comecei a chorar de nervoso, ela olhou pra minha cara com nojo, disse que eu continuava um bunda-mole mesmo. Então fiquei puto. Senti um troço, um afluxo de sangue, meu rosto inteiro formigava, devia estar vermelho feito um pimentão e eu tremia como se estivesse tendo um ataque epilético. Ela ainda estava com meu pau na mão e vimos quando ele começou a crescer numa ereção contínua e interminável. Aquilo era uma loucura, e só na loucura ou num sonho psicodélico se justificaria o sorriso satânico que se instalou no rosto dela, a voz mole dizendo “hum, seu safado” e depois tomarmos um puta susto quando meu saco começou a inchar, inchar, inchar e ficar do tamanho de um limão. Comecei a urrar de dor, e fiquei meio verde feito o doutor Banner se transformando no Hulk, e os músculos do meu pescoço retesaram, meus dentes trincaram, minhas pupilas se dilataram e senti que ia desmaiar. Antes de apagar, deu tempo de ouvir um barulho seco como o de uma bexiga cheia de ar sendo estourada. E vi, ainda antes do sangue sair do meu corpo e eu ficar lívido, a minha pele cedendo, e meu testículo direito sendo expelido pra fora como a espoleta saindo de um revólver.
Agora estou no hospital, com o escroto enfaixado. Somente amanhã vou poder ver como ficou. Minha ex teve a bondade de recolher meu testículo direito e trazer para o reimplante. O esquerdo, segundo ela, ricocheteou no ar e caiu na rua. Ela não conseguiu localizar. Deve ter caído num bueiro. Porra.


Rafael Gimenez