sábado, 23 de janeiro de 2010

Cheiro de amor e de morte

Meu nome é Ubiracy, vulgo Bira. Trabalho no Instituto Médico Legal. Tem já mais de dez anos que trabalho como assistente dos legistas, engavetando e desengavetando cadáver, tá sabendo? Minhas narinas já se acostumaram com aquele cheiro ocre, agridoce, de maneira que nem diferencio mais o odor de um defunto ao aroma de uma torta de ameixa feita pela Larinha. Larinha é a minha mulher, tá sabendo? Quando conheci a Larinha, eu fiquei doido. Estava andando na rua e ela vinha no sentido oposto, olhei pra ela e ela olhou pra mim, mas eu sempre fui muito tímido com as mulheres e elas nunca me deram pelota porque eu não sou lá um sujeito muito bonito, tá sabendo? Mas quando a Larinha passou por mim, os cabelos lisos na altura dos ombros, olhos negros e brilhantes e um corpo que nem o melhor poeta saberia descrever, me deu uma coisa, tá sabendo? E eu fiz algo que nunca imaginara. Segurei a Larinha pelo braço, e ela fez uma expressão de espanto, imaginem, um crioulo enorme segurando ela pelo braço assim sem mais nem menos, e vi que ela ia gritar, eu precisava dizer alguma coisa, mas minha voz não saía, eu na época não era nem mesmo um verborrágico como sou hoje, e não lia poesia, e só queria saber das mulheres para foder, e pagava por sexo porque mulher alguma queria dar pra mim, e as que davam se assustavam com a minha jeba, sim, porque modéstia à parte eu sou um cara bem piçudo, tá sabendo? Mas aí fiz um esforço descomunal e enfim disse, com a voz gaguejando, “você é linda” e ela “o quê?” e eu repeti, desanimado, “você é linda”, e ela sorriu, e muito tempo depois me disse que ninguém tinha feito uma coisa assim por ela antes e que minha atitude foi romântica e corajosa. Larinha também é muito tímida, tá sabendo? Eu era apenas um chucro ignorante e semi-analfabeto quando comecei a sair todas as tardes com Larinha e ela me lia poemas de Lorca, Baudelaire, Neruda, Drummond, Bandeira e me fez ler romances e íamos às vezes ao cinema e ríamos de chorar vendo comédias e ela se assustava e me abraçava quando víamos filmes de suspense. Quando começamos a namorar, os pais dela foram contra. Os pais da Larinha são professores universitários, com mestrado e outras milongas, e não queriam me podar porque sou preto ou pobre, mas porque eu era ignorante e não fazia porra nenhuma da vida, a não ser jogar bilhar e um ou outro biscate que me possibilitasse arrumar dinheiro pras minhas apostas. Mas a Larinha me mudou, me arrumou o emprego no IML e depois me apoiou quando comecei a estudar enfermagem. Quebrei o nariz de um palhaço na vila porque ele tirou onda com a minha cara dizendo que enfermeiro é profissão de boiola, tá sabendo? Mas isso não interessa, vim aqui para falar de outra coisa, tá sabendo? Como eu disse, trabalho no IML todo dia limpando os defuntos que chegam. Um dia desses chegou de uma só vez dezessete presuntos de uma chacina no Capão e o Bira aqui estava lá fazendo seu trabalho quando pensou assim: “Porra, Bira, já faz mais de dez anos que você tá nessa vida de embalsamar presunto, tá sabendo?” e pensava que os putos dos médicos do IML nem olhavam pra minha cara quando passavam por mim no corredor de manhã, e minha vida estava cada dia mais maçante, eu já estava tão acostumado a ver cadáver, e tão acostumado com o cheiro deles, com o sangue coagulado, com as escoriações, a putrefação, os órgãos internos aparecendo e todas aquelas coisas, que podia até almoçar em cima de um finado que isso não alteraria em nada o meu apetite, tá sabendo? Mas eu não ligava para esses pensamentos, eu era feliz. Todo dia chegava em casa e a Larinha tinha feito alguma comida que eu gostava, e me falava sobre como tinha sido o dia dela e, sabendo que eu odiava falar de trabalho, nunca me perguntava como tinha sido o meu. E depois íamos pra cama e todo dia era aquela loucura, tá sabendo? O sexo que a gente fazia era coisa que devíamos cobrar entrada pro povo ver, era melhor que poesia, era arte pura, uma coisa que devia ser gravada e deixada como legado para as gerações futuras. Nesses mais de dez anos em que estava com ela e em que cuidava dos presuntos no IML, eu nunca tinha deixado de dar no coro nem um dia, fosse por cansaço, por doença ou por outro motivo qualquer, tá sabendo? Mas nesse dia em que chegaram os dezessete presuntos do Capão, tudo moleque novo, o mais velho tinha vinte e seis anos, o mais novo quinze, a maioria preto e pardo – mas tinha um japonês no meio, tá sabendo? – todos com o rosto tranqüilo, sem horror, sabendo que tinha se cumprido a sina deles e acabado a encheção de saco que é viver nesse mundo, nesse dia, sei lá, eu não consegui comer a Larinha. Ela tentou de tudo, mas meu pau, esse Hércules que é meu pau, não subiu de jeito nenhum, tá sabendo? Ficou uma minhocona mole, e a Larinha ficou balangando ele pra lá e pra cá, e rindo, e brincando com ele como se fosse uma boneca, e aquilo me irritou e eu pedi pra ela parar e me virei de lado. Ela perguntou “o que foi?” e eu respondi “nada” e ela perguntou se era algum problema no trabalho e eu disse pra ela “odeio falar de trabalho, você tá cansada de saber disso, tá sabendo?” e ela começou a chorar e eu fico com o cu na mão toda vez que a Larinha chora, tá sabendo? E fiz um carinho nela e pedi pra ela me ler um poema do Brecht e então ela leu e nós adormecemos. No outro dia eu não conseguia trabalhar e pela primeira vez tive nojo daqueles defuntos que chegavam, e náusea com o cheiro, um enjôo que só senti quando pisei naquela merda pela primeira vez mais de dez anos atrás, tá sabendo? Pra piorar, chegou o corpo de uma velha gorda, o corpo estava em péssimo estado, manchado de verde e roxo e aquilo foi me dando uma agonia e eu pensava nos dezessete defuntos do Capão, nos pretos e no japonês, e pensava no corpo da Larinha e em todas as sacanagens que fazíamos na cama, mas aquilo não me excitava nem me dava vontade nenhuma, e foi me dando vontade de chorar. Mas eu nunca chorei, tá sabendo? Então pensei “o que está acontecendo comigo?” e larguei o corpo da velha lá, e quando ia saindo percebi que não teve um puto pra fechar as pálpebras dela, e a velha estava me encarando com os olhos esbugalhados, e então eu, um sujeito que nunca tive medo nem de assombração, queimei o chão sem dar tempo nem pro pensamento me alcançar, tá sabendo? Cheguei em casa e a Larinha tava fazendo torta de ameixa, e eu disse “larga essa merda aí”, e puxei ela pro quarto e fiquei inteiramente nu e mandei ela tirar a roupa também, e a Larinha não estava entendendo nada, mas tirou o avental, depois tirou o shorts e a camiseta que estava vestindo, e ela estava de cabelos presos e aquilo me deu um princípio de ereção, e coloquei ela pra chupar meu pau e ela chupava e a ereção ia aumentando e eu não consegui conter um riso de alegria e botei ela de quatro pra comer o cuzinho dela, tá sabendo? Mas quando comecei os movimentos, lembrei dos defuntos e desesperado vi a ereção indo embora, e caí na cama suado e arrasado, a Larinha do lado sem coragem de dizer nada, e ficamos os dois muito tempo calados, até que eu disse “minha filha, vamos cuidar da vida, tá sabendo?” e fomos tomar banho.


E por isso que estou aqui hoje, falando com o senhor, vendo se o distinto pode me ajudar, tá sabendo? Foram mais de dez anos lidando com aqueles malditos defuntos, fazendo sempre o trabalho mais sujo e asqueroso, mas isso nunca afetou a minha virilidade, tá sabendo? Agora, por quê não consigo tirar da minha cabeça os dezessete defuntos do Capão, a velha gorda olhando pra mim com os olhos arregalados, o cachorro atropelado na rua, que virou uma pasta vermelha no chão, e o bebê encontrado no lixo, pretinho e com dois olhinhos que mais pareciam bolinhas de gude, com um rato preso no calcanhar? Por quê não consigo mais foder com a minha mulher? Por quê, doutor? Minha cabeça percorre o cemitério enorme, sem limite, onde jazem no alvor d’uma luz branca e terna os povos da História antiga e a da moderna. É Baudelaire, tá sabendo?

Por Rafael Gimenez

domingo, 17 de janeiro de 2010

Vão-se os dedos, ficam os anéis

Era pra ser uma relação estável. Sabe quando você chega naquele estágio que um completa a frase do outro? E que você nem precisa dizer algo, pois ele já sabe o que você quer falar? Bem, minha relação com o Fernando era assim. Éramos como almas gêmeas, unha e carne, tampa e panela, chinelo velho e pé cansado, cu e cueca. Dois anos de relacionamento sem enjoar um único dia. Um entendia quando o outro queria uma relação mais melosa, ou mais apimentada. Dividíamos nossas fantasias, por mais estranhas que pudessem parecer. Tudo com o maior respeito e cumplicidade.

Um dia Fernando começou a agir de forma estranha. Estávamos no auge da relação sexual, ele por cima de mim, bombando com força e minhas pernas entrelaçadas sobre suas costas, quando ele disse: “- Aperte minha bunda. Aperte forte, mais, abre...” Fiz o que ele pediu e ele gozou aos urros, como nunca.

Depois deste dia ele pedia cada vez mais: “- Aperta, abre, arranha, bate na minha bunda...” E eu fazia, só pra vê-lo gozando com gosto.
Certa vez, depois de transarmos, estávamos deitados abraçados e nos beijando, quando ele foi direcionando minha mão até a sua bunda. Como eu já sabia o que ele queria, comecei a apertar cada vez mais forte. E quando mais forte eu apertava, mais gostoso ficava o beijo. E Fernando cada vez mais tesudo. Já podia sentir seu pau crescendo entre minhas coxas, mesmo ele já tendo gozado três vezes naquela noite.
Fernando empurrava minha mão cada vez mais até sua bunda, até que comecei a passar o dedo em seu cuzinho. Ele começou a gemer mais, já dava pra sentir seu pau latejando. Ele ficou louco de tesão e me comeu como não havia comido até aquele dia. Uma experiência incrível.

O tempo foi passando e aquela brincadeira começou a me preocupar. Fernando pedia que eu colocasse o dedo cada vez mais fundo, até enfiar completamente. Depois ele me comia com força, de quatro e gozava nas minhas costas, do jeito que eu gostava. Então ele passou a pedir dois dedos e a ficar de quatro, e quando estava bem excitado, ele me comia, mas gozava rápido. Até que um dia me vi enfiando três dedos no meu namorado, enquanto ele rebolava.
Como pode? Aquele homem viril tinha se tornado uma putinha! Onde foi que eu errei?
Não era a primeira vez que tinha feito fio terra em alguém, mas uma coisa é fazer isso numa transa casual, a outra é penetrar o homem que você ama, aquele que você quer que seja pai de seus filhos.

Passei a ficar neurótica. Arranquei todos os fios-terra dos aparelhos eletrônicos de casa, tinha sonhos estranhos como chegar em casa e ver meu namorado usando minhas calcinhas ou sendo enrabado por outro cara. Até quando ouvia o presidente falar em inclusão digital eu sentia um mal estar. Mas nunca deixei Fernando perceber isso, afinal era o homem que eu amava. Um dia não agüentei. Estava em casa fazendo o jantar e Fernando me ligou. Perguntou o que eu estava fazendo, e respondi que estava cortando cenouras. Ele disse: "- Hummm... que delicia." Aquilo foi a gota d´agua. Pedi a ele que passasse em casa naquela noite, para conversarmos, e ele disse que estava ocupado com alguns relatórios de trabalho, e acrescentou: “- Só se for rapidinho, dois dedinhos de prosa...”. Meu sangue ferveu, minha boca começou a espumar e desliguei o telefone na cara dele.

Fernando chegou até minha casa, tocou a campainha e não abri. Eu estava desmaiada no chão ensangüentado. Havia cortado minha mão direita com a faca de cozinha, afinal se não fossem os malditos dedos no cu de Fernando nossa relação continuaria normal.
Fernando chamou o SAMU e fugiu, com medo que a culpa recaísse sobre ele.

Disse aos médicos que tentei me suicidar, porque meu namorado fugiu com outra. O hospital me recomendou uma psicóloga. Passei a fazer terapia com a Dra Fernanda, que se tornou mais que uma amiga. Tornou-se minha namorada.

Hoje fazemos um ano de namoro. Nossa relação é de cumplicidade e muito sexo. Os dedos de Fernanda são maravilhosos e eu consigo trabalhar bem com a mão esquerda. E quando quero agradar, penetro-a com meu cotoco.

Há males que vem para bem.

domingo, 3 de janeiro de 2010

A falecida

Quando Raimundo conheceu Shirley, caiu de amores imediatos por ela. Não era para menos: a morena tinha cabelos pretos, olhos escuros, um rabo fenomenal, seios pequenos que cabiam na palma da mão, como ele gostava. Viu-a dançando agarradinha com um sujeito no forró, o sujeito tinha cara de estar maconhado, ou qualquer coisa do tipo. Assim que terminou a música, puxou-a pelo braço. O outro quis protestar - “ei!” – mas já estavam do outro lado do salão. Raimundo disse “você só sai daqui comigo hoje” e, efetivamente, assim aconteceu. Namoraram e casaram-se, tudo em menos de um ano. Se durante o namoro Raimundo ainda ia com Shirley ao risca-faca, onde tomavam cerveja e dançavam, depois de casados se tornou um marido tremendamente opressor. Não deixava a mulher botar o pé pra fora, nem fofocar com vizinha – mexeriqueiras do cão! – nem ir ao supermercado sozinha. Deixava-a ir, sob mil recomendações, à casa da mãe, também no bairro, para onde telefonava de cinco em cinco minutos a fim de saber se ela estava lá. Tanta desconfiança, na cabeça de Raimundo, tinha procedência: a mulher não era flor que se cheirasse. Ele sabia. Na sua terra, vadia é pra se comer, mulher decente para se casar. Mas Raimundo não sabia explicar a ninguém o que o levara a quebrar aquele mandamento. Só sabia que a morena era um fenômeno. Deixava-o doido na cama, como nenhuma outra conseguiu. Logo na primeira noite, enquanto se despia para ele, passou a língua nos dentes – ela tinha todos os dentes – e disse coisas impublicáveis, que ele não ouvira nem nos lupanares que freqüentara desde garotinho. E um tesão inexplicável o queimava, e se sentia confuso. Comia vadias, sempre comera, mas tinha nojo delas. Usava-as e depois de terminado o ato, queria logo se ver livre delas, pagava o quarto, saía batido. Proibia as putas de falarem palavrão pra ele e uma vez agrediu uma que o chamou de filho-da-puta no auge da ação. E agora estava ali, Shirley de quatro em sua frente, gritando “me fode, filho da puta, enfia esse pauzão em mim”, e ele mandando ver, cada vez mais rápido, mais forte, mais brutal. “Me bate”, e ele batia. “Bate forte, porra”, e ele batia com vontade, marcando as nádegas da mulher. “Mais forte, mais forte, bate que nem homem”, e ele batia com toda a força, e sentia um vigor imenso, e em seguida caía desfalecido, o pênis melado e esfolado.

Era feliz com aquela mulher e acreditava que a colocaria nos eixos. Mas Shirley, evidentemente, não estava feliz. Mais do que o sexo, a luxúria para ela era se exibir. Gostava de sair na rua e sentir os homens a olhando, a comendo. Seu maior prazer, desde que começou a ganhar formas de mulher, era descobrir sempre uma maneira nova de desejo se apresentando diante dela e verificar que o grupo de homens que a devorava com os olhos era heterogêneo. Passava em frente ao convento de São Cristóvão e surpreendia, vez ou outra, um frade entortando o pescoço para contemplar sua partida. O frade se ruborizava e saía andando em passinhos apressados. Ela ia para casa e se masturbava, olhando-se no espelho, senhora de todos os desejos dos homens.

Era líquido e certo que um dia a bomba estouraria. E aconteceu no dia em que Raimundo, chegando mais cedo em casa, a pegou na cama com um biriteiro afamado da vila. Ele não teve cabeça pra pensar: partiu pra cima dos dois. O sujeito, rápido e ágil, pulou pela janela, sumiu na rua. Ela gritou, esperneou, quase desfaleceu quando viu o ódio nos olhos do marido. Chorou sentida, porque no fundo amava o corno. Mas era tarde. As mãos apertavam mais e mais seu pescoço, ela sentia a visão se escurecer e ir apagando aos poucos, como uma luz dimerizada. Morreu nos braços dele, que não tinha forças pra chorar nem pra fugir. Sua vida acabara. Tratou de dar sumiço no corpo.
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Dois anos depois, Raimundo estava novamente casado. Renilda, 24 anos, evangélica, casou com ele cabaço. A virtude personificada. Não gostava da rua, ficava apenas em casa, arrumando as coisas, cozinhando, vendo tevê à tarde. Raimundo jamais chegara a esquecer Shirley, mas convencera-se de que dera um passo em falso ao se casar com uma dissoluta. Uma mulherzinha sem-vergonha, dissimulada, traindo-o com um porqueira em sua própria cama. Fizera bem em esganá-la, era cabra macho. Pensava tudo isso tentando amenizar a consciência e desviar o foco de uma questão que era insuportavelmente incômoda: com Renilda, mal conseguia gozar. Ela deitava na cama, abria as pernas e mantinha no rosto uma expressão impassível, de quem estava ausente de tudo, como se não estivesse sentindo ou vivenciando coisa alguma. Não era incomum que, diante de tão mórbida passividade, Raimundo broxasse. Aquilo para ele era a morte. Nunca antes broxara em sua vida, nem com as putas que tanto desprezava. Tentou de tudo: gemada, catuaba, amendoim. Nada adiantava. Um dia, não sabendo mais a quem recorrer e já meio breaco, pediu conselho a um amigo na mesa de sinuca. O outro ouviu o relato da situação e disse: “Rapaz, tua mulher faz o que? Te chupa? Te dá o furico? Ou vocês ficam só no papai-e-mamãe?” e ele respondeu que Renilda é uma mulher séria, que com ela não rola essas sacanagens não e que é assim que deve ser. “Mas é isso, rapaz”, cravou o amigo, “por isso que tu broxa”. Rotina é o grande anti-afrodisíaco de um casamento, era a opinião do colega.

Ao chegar em casa, Raimundo encontrou a esposa na cama, dormindo, de camisola, ressonando quase imperceptível como era seu jeito de sonhar. Se aproximou devagarinho, ela estava deitada de lado. Empurrou seu corpo para o lado, até que ficasse de bruços, e levantou a camisola até a altura do ventre. Depois, lentamente, desceu a calcinha larga de algodão. Apalpou seu pênis, ainda não estava duro. Acariciou as nádegas da esposa, até que essa acordou sobressaltada: “Raimundo, o que você tá fazendo?”, argüiu assustada. E completou: “Bebeste de novo, foi? Que cheiro horrível de cachaça”. Raimundo desferiu-lhe uma bofetada, deitou-a na cama com a barriga pra baixo e disse “quem manda nessa merda sou eu”. Estava decidido a comer o cu da mulher e resolver de vez aquela brochura medonha que o atormentava desde a morte de Shirley. Mas ao tentar a penetração de pinto mole, o fiasco da empreitada era fato consumado. A esposa violada não tentou qualquer reação, apenas orava baixinho, pedindo perdão a Deus e que aquilo acabasse logo. Minutos depois, acabou. Vencido e arrasado, Raimundo caiu de lado na cama e chorou até dormir, cansado.

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Acordou surpreso quando sentiu a língua da mulher acariciando seu pênis, no meio da noite, assim sem mais. E logo que se deu conta do que estava acontecendo, antes que pudesse dizer qualquer coisa, sentiu o sangue fluindo todo para aquela região e seu pinto renascia, rubro e vivaz, na boca de Renilda. Quer dizer, ele sabia que era Renilda, pois somente ela estava ali, e era seu rosto e seu corpo. Mas parecia mesmo que era outra pessoa ali beijando seu caralho, cuspindo nele e dizendo, com a voz safada “que pauzão, olha como está duro”. Arrancou a camisola dela, colocou-a de quatro – Renilda nunca antes permitira o coito naquela posição – e aproveitou ao máximo aquela ereção que, agora ele sabia, só se findaria no gozo. Não acreditava no que estava acontecendo e sentiu sua espinha gelar quando Renilda lhe disse, olhando para trás e fitando seus olhos: “Me come com força, filho da puta. Mete tudo até o fim, vai”. No momento de gozar, teve a epifania: visualizou perfeitamente Shirley de quatro, sendo enrabada por ele e pedindo leite na boca. Atendeu o pedido, e era a boca de Shirley a que ele lambuzava com seu sêmen, contorcendo-se de prazer num êxtase que ele só conseguia fruir, já que havia abdicado de entender. Quando estava já caído de lado, saciado, olhou para Renilda e lá estava a mulher, o rosto com o olhar perdido além, uma expressão aparvalhada como se tivesse enlouquecido. Dormiu sem sequer se lavar e sonhou com Shirley lhe dizendo que aquela fora a despedida. Que agora ele se acostumasse a ser broxa, ele que já fora corno. E Shirley ria, ria, todos os dentes brilhando.
Rafael Gimenez