sábado, 5 de junho de 2010

Silêncios Constrangedores

- E então...
- Pois é.
- E o São Paulo?
- Joga na semana que vem.
- Acha que eles tem alguma chance?
- Se largarem mão de ficar usando aquele pinheiro como pivô, pode ser.
- Acho que vão mantê-lo.
- Que coisa.
- Mas e aí, foi ver 2012?
- Não achei tudo isso não. Forçação de barra. Mensagens religiosas a torto e direito. Arca de Noé, Cristo Redentor caindo, Capela Sistina rachando na Criação.
- Mas a parte do avião foi legal, admita.
- Do pequeno ou do grande?
- Dos dois. Aquele Antonov russo gigantesco é muito louco.
- Vi há alguns dias Pulp Fiction. Nunca tinha visto.
- E o que achou?
- Diferente. Interessante. Gostei.
- Coisas boas sempre ficam. Deveria ver Jackie Brown.
- Fica a dica.
- Então, qualquer coisa com a geografia, dá um toque e eu passo minhas anotações pra você por e-mail.
- Tudo bem. Eu vou indo tomar um banho.
- Eu vou indo nessa, eu sei o caminho.


***


Saul e Ezequiel acabaram de colocar as roupas. O ar ainda estava pesado com o cheiro de sexo na sala de televisão, com o videogame ainda em pausa. O que haviam compartilhado naquele momento de impulso, lascívia e descoberta reverberava como carrilhões em suas cabeças.


Nenhum dos dois havia sequer pensado naquela possibilidade há menos de meia hora. Em meio a uma partida de futebol virtual, Ezequiel se exaltou durante uma jogada de ataque e escorregou do sofá para o chão, onde Saul tentava manter o empate. O toque involuntário entre ambos, que em condições normais geraria piadas e empurrões mútuos, apenas acabou silenciando-os.


Mudaram de jogo. Escolheram um jogo de luta. Vale-tudo. Silenciosamente colocaram suas representações em combate. O olhar que antes era para tentar prever os movimentos do outro na tela começou a ser para reparar feições, reações, posturas. Começaram a se estudar de uma maneira quase incompreensível para qualquer outra pessoa no mundo.


Quando Ezequiel foi celebrar a vitória no videogame, foi calado com os lábios de Saul, e foi tomado pela surpresa. Já estivera com meninas e sabia do que gostava. Mas a surpresa e o crescendo de emoções desde aquele contato inesperado naquela sala de televisão. Levantou-se, foi até a porta.


- Ezequiel, espera aí!, disse temeroso, sem notar que seu amigo apenas girara a chave na tranca, garantindo que ninguém entraria facilmente. “Vem cá”, disse-lhe enquanto agarrava os ombros de seu amigo e devolvia o beijo. Ambos correram para fechar as janelas da sala enquanto trocavam carícias que acabariam no sofá de três lugares da família de Saul.


Com uma naturalidade medonha ambos livraram-se de suas roupas e, sem dizer uma só palavra, exploraram cada centímetro do corpo um do outro com as mãos, olhos, pele, boca e todos os sentidos do qual dispunham.


***


Colocaram a roupa em silêncio depois do ato consumado, trocaram meras palavras. Saul saiu calado e marcou de juntar a galera para um churrasco no final de semana em sua casa. Ezequiel concordou com a maior naturalidade do mundo.


Sabiam que haviam chegado a um ponto de suas vidas onde dificilmente haveria um retorno. E sabiam que nem toda a conversa fiada do mundo iria calar o coral de vozes duvidosas em suas cabeças.


Por André Diniz

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