sábado, 19 de junho de 2010

Pega no drops do tio!

Dedicado ao amigo André Diniz.

Oliveira senta-se à mesa, acende um cigarro, está louco para que aconteça uma merda que o tire dali. Negócio é sair em diligência, nem que seja pra recolher presunto de chacina. Nessa altura da vida, a adrenalina já se tornou costume e o tédio é o pior inimigo. Entra Alencar:


“Oliveira, você foi designado para participar da Operação Homem do Saco. Os federais vão dar apoio. Vamos sair em cinco minutos!”


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A Operação Homem do Saco é a maior já montada no estado para o combate à pedofilia. Conhecida informalmente também pelos nomes de “Operação Michael Jackson” e “Pega no drops do tio”. Dezenas de suspeitos investigados, algumas prisões programadas. Nada muito espetacular, apenas uma resposta à sociedade. “A pedofilia é a grande praga desse século”, diz Alencar. “Já existia antes, mas as pessoas só ficam chocadas com isso agora. Lembra do caso do pedagogo?”


Oliveira se lembrava. A polícia recebeu denúncia, prendeu o responsável por um educandário, devassou a vida do homem, exposição pública, humilhação, vergonha. Depois, descobriram, era inocente. Tarde demais. Com a vida destruída, deu um tiro nos cornos.


“Lembro. Qual é o procedimento hoje?”


“Estamos indo nos encontrar com um informante. Codinome Garotinho. Na verdade, ele estará envolvido na operação. Tentou entrar pra corporação, mas não tinha altura suficiente. Tem quase trinta anos, aparenta doze”.


“Siga”.


“Se passando por garoto de doze anos, marcou encontro com um sujeito conhecido como Raul Gil. Golpista. Diz que trabalha como olheiro pro apresentador homônimo, seduz os pais com proposta de fama rápida pros guris, leva os meninos pra casa, papa eles”.


“Compreendido. Siga”.


“Garotinho quer uma chance no programa, por isso aceitou o encontro. Vai dizer pro Raul Gil que é emancipado”.


“O cara não vai cair”.


“Vai cair. É deficiente mental. Acredita mesmo que é empresário de talentos”.


“Siga”.


“Quando o Garotinho estiver na casa com o pedófilo, estouramos e damos o flagrante. Esse elemento é suspeito de mais de trinta crimes”.


“Não entendo uma coisa. Se ele é deficiente mental e já papou mais de trinta meninos, como não pegaram o cara antes? Não devia estar já num sanatório?”


“É protegido de um figurão. O cara sempre tira ele. Só fazendo esse esporro vamos conseguir engaiolar o cara”.


“Garotinho vai estar armado?”


“Vai. Uma 9 mm. Mas a gente não vai esperar ele usar. Há um sinal combinado. No sinal, a gente entra e faz o serviço. Tudo tranqüilo, a baba do boi”.


“Baba do boi”, pensou Oliveira. “Sempre que é baba do boi, dá merda”.

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À paisana, do lado de fora do restaurante, Oliveira fuma um cigarro. No carro, está Alencar. Mais dois veículos nas proximidades, com policiais paisanos. Dentro do restaurante, numa mesa próxima a do suspeito, mais um policial. O tempo demora a passar. “O tédio é o pior inimigo”, lembra Oliveira. Começa a divagar. O corpo de Laura, alvo, branquíssima brancura. Ela tira a blusa, olhando nos seus olhos, passando a língua nos lábios. Mexe lentamente os quadris, sua cintura de cobra coral rastejante, esguia. “Larga essa vida e vem viver comigo”, pedia. Laura não dava atenção, “vem meu policial gostoso, pega a tua putinha de jeito”. O pau de Oliveira fica ereto dentro da calça, ele sente repulsa. Nunca se distraiu numa operação. Além do mais, Laura estava fodendo com um colega do departamento. Vadia”.


Vê o sinal irritado de Alencar, olha para a entrada do restaurante. Garotinho vai saindo, seguido por Raul Gil. Disfarçadamente anda na direção do carro, entra. Raul Gil e Garotinho entram num carro, saem.


“Não vamos seguir, pra não dar brecha. O endereço do puto é conhecido, já tem gente nossa lá. Vou pegar outro caminho”.

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Recebem uma mensagem de rádio:

“Alencar, o suspeito está desconfiado. Parou o carro num posto a duzentos metros do local do restaurante. Desceu do veículo, ficou olhando ao redor. Depois saiu com o veículo retomando a rota. Por enquanto, segue a rota pro local de domicílio. Estamos no encalço. Entendido?”


“Soares, mudança na operação. Sai daí. Não quero mais ninguém seguindo o cara. Estou a dez minutos do domicílio dele, tenho certeza que ele vai pra lá. Manda nosso pessoal sair de lá e ficar na rua transversal. Não quero ninguém seguindo o veículo. Repito: não sigam o veículo. Entendido?”


“Positivo, Alencar”.


“Alencar, isso tá esquisito”, Oliveira.


“O cara vai pra casa dele, e a gente pega ele lá. Tudo dentro do plano”.

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Cortando caminho, chegam antes do suspeito e estacionam próximos à casa. A casa é um barracão com quintal, numa rua escura. É noite.


“Porra, é aqui que o cara mora? Que merda, hein?”


“A fachada do sujeito só vai até o carro e o cartão de visitas.”


“E o tal figurão, que protege o elemento?”


“Tá pouco se fodendo. Devia favores pro cara, deu o carro. Dá uma grana mensal, que o puto gasta nos almoços e jantares com os pais dos moleques. Tira ele da cana sempre que o cara vacila, porque tem o rabo preso e sabe que o papa-anjo pode dar com a língua nos dentes”.


“Incrível como é fácil enganar otário”, pensa Oliveira. “No entanto, eu seria um bom pai, mas nunca botei filho no mundo”. Pensa novamente em Laura. Laura é uma puta, mas ele queria ter um filho com ela. Alencar corta suas elucubrações:


“Caralho... Estão lá tem quinze minutos, nada do sinal”.


“A baba do boi, né? Filho da puta”, pensa Oliveira. “Segura a onda”, diz em voz alta.


“Vai tomar no cu, Oliveira. Segura a onda o caralho!”


Uma tensão começa a surgir entre os dois, mas logo é cortada por outro carro que se aproxima. Oliveira abre a porta lentamente e se esgueira para fora da viatura.


“Oliveira!”, sussurra Alencar. “Volta, porra!”


Oliveira segue se esgueirando, engatinha e se oculta na sombra de um muro. Está próximo do carro que chegou. Dentro dele, um casal. Consegue ouvir seus sussurros. Sente a presença de alguém, é Alencar atrás dele:


“Filho da puta!”


Oliveira faz um sinal com as mãos, mandando Alencar se calar. Os dois observam o carro estacionado. Os sussurros aumentam. Veem claramente: ele, um homem jovem, vinte anos no máximo. Ela, uma mulata. Estão pegando fogo. A mulher já está sem a blusa, tem seios volumosos. Palavras obscenas facilmente são compreendidas pelos policiais. Ambos se esquecem, por alguns minutos, do que foram fazer ali.

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Garotinho se debate, tentando escapar das garras de Raul Gil. Este é meio mulato, forte, enorme, e o subjuga com facilidade. Com os joelhos, segura as pernas de Garotinho no chão. Prensa seu corpo contra o dele, se esfrega. “O tio não vai te machucar, meu menino”. Garotinho se revolve e urra. “Você vai ser uma estrela, menino”. Garotinho sente a enorme pica de Raul Gil penetrando seu ânus, e uma dor lancinante quase o faz desmaiar. Quer gritar, mas sente o vômito lhe tomando conta da garganta e subindo pra boca. “Ah, ah ah, meu menino”, Raul Gil repete, arfante.

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O casal prende a atenção dos policiais, até que ouvem tiros. Correm, cercam a casa. Alencar arromba a porta, se assusta com o que vê: Raul Gil crivado de balas, Garotinho sentado, nu, com o rosto entre os joelhos, mais garotinho do que nunca. Ergue a cabeça, vê os policiais:

“Seus filhos da puta! Onde vocês estavam, porra? O cara comeu meu cu! O cara comeu meu cu! O cara comeu meu cuuuuuuuuuuu, porraaaaaaaaaaaaaa!”


Oliveira se aproxima, dá um tapa no rosto de Garotinho, que volta a si. Silêncio durante alguns segundos. Depois murmura, choroso: “o cara comeu meu cu...”


“A baba do boi”, pensa Oliveira.

“Minhas sentidas desculpas, Garoto. Você passou o acusado, mas pega nada pra ti. Vai nessa que a gente limpa a barra”, disse Alencar. Garotinho o olhou com ódio:


“É o mínimo, né? O cara comeu meu cu”.


“Vira o disco, porra”.

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Oliveira chega em casa, molha o rosto, lembra-se do casal fazendo sexo na rua escura e do pobre Garotinho chorando depois da curra. “Chega dessa merda”, pensa. “Amanhã peço baixa”. Decide procurar Laura, tirá-la da vida, ter um filho com ela. Dorme com o 22 na mão esquerda, desamparado na poltrona. Sonha com Laura e sua branquíssima brancura.


Por Rafael Gimenez.

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