segunda-feira, 30 de julho de 2012

O fascinante caso dos chocólatras da Bela Vista

A Zé Rubem Fonseca e Zé Saramago.



Abre a porta de casa e espanta-se com o ambiente em penumbra. No ar, um aroma perfumado, adocicado, estranho ao olfato. Percebe, ao pisar o assoalho, que todo o chão da sala e do corredor está coberto por pétalas de rosas. Caminha lentamente, desconfiado de que estejam lhe pregando uma peça. Na mesa, velas acesas, taças e uma garrafa de vinho. Um bilhete, a letra da mulher: “Tire a gravata, tire a camisa, tire as calças, venha para o quarto”. Ele para, reflete por um instante: há quanto tempo o relacionamento esfriou? Fazia meses que não transava com a esposa, talvez um ano... ou mais? Nada daquilo fazia o menor sentido. Mas que saída ele tinha a não ser pagar para ver? Ainda cogitou andar de lado, feito um caranguejo, sair de casa e entrar de novo, para ver se tudo aquilo desaparecia como mágica, e as coisas voltavam à normalidade. Mas não. Pensou melhor: e se fosse verdade? Lembrou-se dos primeiros anos de casado. A mulher era jeitosa, a vida sexual era ótima, existia carinho, compreensão, conversas agradáveis. Não havia o histrionismo dela, a implicância com pequenas coisas - como uma toalha molhada em cima de cama, os ciúmes irrefreáveis. Chegou ao quarto e encarou a cena não sem surpresa: estava ali sua esposa, com quem se casara quatro anos antes. Com o corpo nu, coberto de chocolate. “Ela enlouqueceu”, pensou. O interessante é que não sentiu o menor tesão. Só gula. Adorava chocolate, e a mulher ali, coberta de calda de chocolate, com chocolate até o pescoço, escorrendo pelos seios, braços, ventre, coxas, panturrilhas, indo cobrir-lhe os dedos dos pés, inundando o lençol. Ele achou que deveria ter nojo, mas sentiu fome. Aproximou-se da mulher e lhe lambeu o rosto, única parte onde não havia chocolate. Achou indigno ir direto ao que interessa, chocar a mulher com a falta de apetite sexual em detrimento ao excesso de voracidade gustativa. Só então começou a se fartar de chocolate, lambendo euforicamente o pescoço, o peito e indo até a barriga, onde parou no umbigo. Ali se deteve por mais tempo, aproveitando a pasta acumulada na cavidade, e então teve um clique! Havia, sim, uma reentrância onde o chocolate haveria de se acumular mais abundantemente. Desceu a boca até lá, e lambeu, lambeu e lambeu mais, até sumir o gosto doce e sentir o salgado da pele novamente. Virou a mulher de bruços e, com um movimento frenético de língua, bebeu também o chocolate que tinha ido para o cu. Aos poucos, lambida toda como uma gata, a mulher foi recuperando a brancura da pele, mas o marido não se saciava, procurava ainda mais doce para sugar, lambia a axila, a dobra da perna, a nuca, e comia chocolate misturado com cabelo, com pelo pubiano, com suor, com muco. A mulher, até então impassível, sem um gemido, riso ou suspiro, esperou que ele terminasse e caísse exaurido ao seu lado na cama, rolando no lençol achocolatado, empapuçado e feliz. Então ergueu-se, caminhou lentamente até o banheiro, deixando um rastro marrom pastoso pelo caminho, lavou as mãos e o rosto que estavam grudentos. Quando voltou, tinha um objeto pontudo e brilhante nas mãos. Antes de enfiar a faca no peito do adormecido marido, ainda fez a observação aborrecida:

- Bolas, eu pedi pra você tirar a roupa! Sangue, merda, urina, chocolate, mais tarde vou ter que queimar essa porra toda... Paciência.

Depois de retalhar o corpo, com uma machadinha, separou a cabeça para colocar num saco. O rosto do marido estava inteiramente marrom, como a cabeça de um escravo etíope. Teve um ímpeto, retrocedeu enojada. Mas acabou não resistindo: num solavanco, como se aquele desejo fosse mais forte do que ela, deu uma demorada e sôfrega lambida na cara achocolatada do marido decapitado.  

                                                                                                                      Por Rafael Gimenez.




segunda-feira, 30 de abril de 2012

O troco


Trezentos reais. Era esse o valor da comanda que Carla e eu gastamos na balada. Pedimos o extrato: cervejas importadas, vodca com energéticos, mojito... Realmente, tudo o que tínhamos consumido. Mas, trezentos reais???

- Tudo bem, Carla. Eu passo no cartão.

Eu disse isso antes de perceber que estava sem meu cartão de crédito. Havia trocado de bolsa e tinha apenas oitenta e seis reais que, somados aos quarenta e dois reais de Carla, totalizavam cento e vinte e oito reais. Sequer a metade do valor devido.

Foi quando observei que o segurança da boate não parava de me olhar. Um negro forte, aparentando seus vinte e cinco anos de idade. Decidi chorar para ele que, em vez de se comover, apenas fitava meus seios. Foi quando abri o primeiro botão da blusa, para ver se ele cedia a meus encantos. Apesar de quase babar em mim, ele permaneceu irredutível. Disse que se não pagássemos o que era devido, sairia do bolso dele, além de lhe custar o emprego. Cheguei mais perto dele, roçando meus seios em suas mãos. Ele gostou, mas mesmo assim não liberou nossa saída.

Carla já estava desesperada. Foi quando lembrei que eu tinha uma folha de cheque dentro de minha CNH, para uma emergência. Assinei o cheque, com a intenção de sustá-no no próximo dia útil, pagamos e saímos. Quando cruzei a porta, fui puxada para trás com violência, ao encontro daquele membro de piche rijo. Ele me pediu para esperá-lo dez minutos, que estava saindo.

Conversei com Carla e disse que toparia sair com ele, mesmo ele não tendo facilitado nossa saída da boate. Aliás, esse era o principal motivo.

Em menos de dez minutos, lá estava aquele ébano afoito, me guiando rua a fora até o primeiro hotel fuleiro que encontrou. Mal entramos no quarto, o negro já me arrancou a roupa. Ele sugava meus seios com força, como se fosse arrancá-los. Chamava-me de cadela branca e dizia que me deixaria roxa. Ele tirou a calça e me colocou sentada em seu colo, enquanto me lambia o pescoço e me beijava a boca. E mesmo ele de cueca, eu sentia seu pau enorme querendo me invadir. Então ele tirou a cueca, puxou minha calcinha e começou a esfregar aquele mastro delicioso por toda a extensão de minha boceta. E apesar de eu ser uma mulher grande, não conseguia dar conta daquele pau enorme. Fiquei de joelhos para chupá-lo. Quase engasguei. E ele, sem dó, puxava minha cabeça com força.

Então ele me colocou de quatro, o que era bom, pois assim dava para ele enfiar aquela pica negra inteira sem sofrimento, porém eu temia que ele quisesse meu cu. Para minha sorte, ele se limitou a enfiar o dedo, enquanto me penetrava com voracidade. Ele quis que eu ficasse por cima, agachada em seu mastro. E ritmava as estocadas, me puxando pelo quadril. Foi quando ele gozou em mim, melando minhas coxas com aquela porra quase que infinita. Ele próprio deu conta de lamber, enquanto me chupava fortemente.

Enquanto tomávamos banho, ele ainda me comeu, apoiada no vaso sanitário. Terminamos o banho, exaustos.

- Trezentos reais, eu disse.

Ele riu.

Eu repeti:

- Trezentos reais. É o que você me deve.

O negro fechou a cara, e eu completei.

- Sou garota de programa. Você saiu comigo porque quis e, se não me pagar, não saio do hotel. E ficaremos os dois aqui.

Ele argumentou que não tinha dinheiro, mas isso não era meu problema. Ele consumiu e teria que pagar para sair.

O negro abriu a carteira e contou todo seu dinheiro, inclusive as moedas. 

- Cento e oitenta e três reais e cinqüenta centavos.

- Tá bom, faço um desconto.

- Cento e oitenta reais?

- Cento e oitenta e três reais e cinqüenta centavos.

- Mas eu não tenho a grana do ônibus, vadia!

- Não é problema meu.

Saímos do hotel. Ele pagou com cartão de crédito, rezando para aprovar. Desceu a rua sem olhar na minha cara. Eu entendi, afinal deve ser longa a caminhada do centro de São Paulo até o Capão Redondo.

Eu segui meu caminho. De táxi. 


Por Sara Augusta


quinta-feira, 3 de março de 2011

Iracema

“Iracema, meu grande amor foi você.”, Adoniran Barbosa.


Ardia em febre. Seus sonhos eram alucinações e acordava banhado em suor. Lembrou-se do irmão mais velho lhe ensinando o macete: “Primeiro você cospe nos dedos e enfia no buraquinho. Ela nem berra. Depois, quando tiver duro o negócio, você enfia bem devagarinho. Deixa um pouquinho lá dentro e tira de novo. Dá uma cuspida no pau e enfia traveiz. Aí o negócio vai de jeito”. Ele teve um pouco de nojo na primeira vez. O ânus de sua parceira era quente, úmido, meio melado. O cheiro era muito ruim. Depois de gozar, saiu correndo desabaladamente em direção ao matagal e durante dias não saiu pra brincar fora da casa. Sentia-se humilhado na presença dos colegas, na escola. Era como se todos soubessem. O mais velho da turma, Galego, já comia mulheres de verdade. Pelo menos era o que dizia. Sentia-se sufocado, precisava compartilhar com alguém aquela dor que o desconsolava. Galego comia a sopa rala da merenda, isolado num canto do pátio, na cabeceira da longa mesa. Numa atitude ousada, veio sentar-se perto dele.


“Galego, posso sentar aqui?”


“Se for pra me aporrinhar, não.”


Não sabia o que dizer. Ficou soprando a sopa enquanto o outro comia.


“Como é que é com mulher de verdade?”


“Quê?”


“O sexo. Como é? É bom?”


O outro o encarou, surpreso.


“Depende.”

“Depende de quê?”


“Depende da mulher e da nossa vontade. Por que você quer saber, seu merdinha?”


Olhou Galego novamente sem saber o que dizer. Sabia onde queria chegar, mas não sabia o caminho. Resolveu falar duma vez:


“Você já transou bicho?”


Espanto maior do outro. Este sorriu interiormente.


“Não. É bom?”


“Não sei. É diferente...”


“Conta aí. Como é?”


Sentiu um alívio. Galego lhe pedia, interessado, para dividir a experiência. A cadeia tinha sido invertida. Narrou com pormenores seu coito com Iracema, a cabra. Conforme contava, sentia como se aquilo de repente se tornasse um feito digno. Molestara o animal com sua virilidade nascente, tivera coragem para aquilo. Valentia que nem o temido Galego teria. Contraiu os lábios ao falar do gozo, forçou as expressões para se passar por um legítimo malandro. Eram iguais, Galego e ele. Homens. Quando terminou, Galego lhe disse:


“Amanhã vou lá. Quero ver como é”.


O baque lhe pegou de surpresa. Não esperava que alguém quisesse ver. Foi tomado de pânico súbito. Saiu correndo do pátio, escondeu-se no banheiro. Lá ficou até o momento de ir embora. Em casa, apresentou-se taciturno. Depois de terminada a refeição, pediu permissão pra brincar no curral.


“Vá, meu filho. Mas não se suje”.


Aproximou-se de Iracema, que calmamente cheirava um arbusto. Sentiu uma febre que lhe devorava as entranhas e seu primeiro impulso foi o de correr de volta à casa. Lembrou-se, porém, de ter impressionado Galego com seu relato da tarde. Pensou na sensação quente e protetora que vinha do cu da bichinha. Olhou para os lados, puxou Iracema para detrás do celeiro. Gozou mais rápido do que da primeira vez, com um pregador de roupa lhe tapando as narinas. Limpou-se numa peça de roupa do varal, voltou para o quarto e ficou lendo “Memórias de um sargento de milícias”, que a professora tinha dado.


***


O irmão lhe advertiu:


“Você não pode ir todo dia. Pai vai perceber”.


Olhou-o com um esgar de choro:


“Eu parei com essa nojeira”.


“Parou uma porra! Pensa que não sei que todo dia que você some à tarde, você vai lá pro fundão do sítio? Pai um dia vai ver o cu da cabra alargado e vai dar em nós! Se eu entrar por sua causa, eu arrebento você”.


O menor se enfureceu.


“Arrebenta? Pois se você me ensinou essa porra! Eu tava muito bem de punhetinha! Essa putaria é invenção sua!”


“Invenção minha e que mal não faz. Mas tem que saber a hora de fazer, sua mula”.


Calaram-se ao ver o pai se aproximando. Este achegou-se, fez um cafuné no menor.


“Tá cabreirinho? Que foi?”


“Nada não pai, bença”, e saiu correndo.


“O que tem seu irmão?”


“Sei não, pai. Esse bicho aí é muito arredio demais.”


“Seu irmão anda estranho. Mas vou descobrir o que é”, disse o velho, coçando o queixo.

***



Comia o macarrão-parafuso com uma colher mal lavada quando sentiu a presença de alguém a seu lado. Era Galego.


“E então, garanhão? Quero ver aquela cabra lá!”


“...”


“Como é? Veio me contar o negócio só pra me deixar na vontade? Me leva lá hoje.”


“Vá à merda”.


Ficou surpreso da própria coragem. O outro mudou de expressão, parecia que o mundo havia parado de girar até que se desenrolasse o conflito. Mas Galego riu:


“Tá brabo, comedor de cu de cabra?”, e completou: “Ou tu me leva, ou conto pra todo mundo que o Guri tá com o pau todo encravado de merda de animal”.


O medo lhe fez aceder.


“Tá certo. Hoje nós vai lá. Mas ninguém pode saber.”


“Segredo de amigo meu eu guardo como se fosse meu”.


Ser chamado de amigo lhe deu um certo orgulho. Galego não tinha amigos. E ele, também não. Mas quem era amigo de Galego não precisava de amigo nenhum. Não precisava nem de Deus.


***


Amarraram Iracema numa corda e foram levando-a. As sucessivas curras tornaram o animal um pouco arredio. Guri, ao não se sentir correspondido, via aumentar sua paixão a cada dia. Agora, tinha ciúmes. Mas não sabia dizer se de Iracema ou de Galego, que olhava a bichinha fixamente, com intensa curiosidade. Chegaram ao fundão. Galego apenas disse:


“Como é que faz?”


“Você pega ela assim e...”

“Não, vai você primeiro que eu vou depois”.

Abaixou as calças e viu seu pênis diminuto completamente mole. Já estava com vergonha do outro.


“Não consigo. Na sua frente não dá”.


“Ah, finge que eu nem tô aqui”.


Cuspiu na mão, começou a se masturbar. E nada. Aquilo ia durando um bom quarto de hora e Galego assistia, divertido. De repente, aproximou-se. Abriu o cinto, baixou a calça jeans. Guri ia resmungar que ele tinha dito que ia depois, até que se sentiu dominado. Galego passou-lhe uma rasteira que o jogou ao chão, virou-o de costas para ele. Desesperado, ele percebeu que não teria forças para reagir. Galego ia introduzindo-se quando ouviram um tiro ao longe. Foi o tempo de correr e enfiar-se no mato, deixando as calças para trás. O pai chegou instantes depois, enfurecido.


“Que viadagem é essa aqui?”


“Pai, eu... Pai...”


As palavras lhe engasgavam, um turbilhão de sílabas querendo sair por uma boca só. Sentiu fraqueza nas pernas. A imagem do pai, espingarda na mão, nublou-se e sua voz parecia vir de léguas além de distância. Quando tudo de apagou, ele teve um segundo para sentir alívio.
Quando acordou, o pai lhe contou das providências práticas. Havia chamado um médico, para ver o que ele tinha. E vendido a cabra. Ele teve vontade de gritar, de chorar, de encolher-se até sumir. Mas não fez nada. Prostrou-se numa tristeza e solidão tão absolutas que durante várias semanas a casa adquiriu ares de velório.


***


Agora era aquele pesadelo dentro do pesadelo, Galego tirando o pinto pra fora e ora enrabando Iracema, ora correndo atrás dele. Quando acordava, dizia coisas ininteligíveis. O médico chamou os pais, disse baixinho:


“Essa febre já dura três dias. Não é tuberculose. Juro que nunca vi uma coisa parecida com isso.”


“O menino tava tão bem... Ficou assim de repente!”, lamentou-se a mãe.


O pai pouco falava, mas carregava uma expressão devastada. Ouviram Guri dizer, em meio a um pesadelo:


“Iracema... Iracema...”

Somente lá pela quarta semana ele começou a melhorar. A febre ia baixando e já se dizia que estava fora de perigo. Mas nunca mais foi o mesmo. Deixou de ir à escola, ficou trabalhando na roça. Sua alegria se quebrara. Quando estavam no mesmo recinto, evitavam os diálogos ele e o pai. Não se sabia se por vergonha mútua ou se por ódio. Nunca se saberia, também, se Guri perdoara o pai por ter sumido com Iracema. Ou se lhe devia o favor de um grande alívio.
O certo é que depois viria a se casar, amar, ser feliz. Mas de algumas coisas nunca se esqueceu. Sobretudo de que o primeiro amor é forte e viscoso.



Rafael Gimenez.




domingo, 6 de fevereiro de 2011

Bichos Escrotos

Aquele reality show já estava perdendo a graça. Na verdade, já tinha perdido a graça há tempos. O país não agüentava mais aquele formato desgastado de programa, no qual estranhos ficavam confinados em uma mansão, chorando as pitangas para que a população tivesse compaixão e escolhesse o, aparentemente, mais sofrido pra ganhar a bolada de um milhão de reais. Os patrocinadores estavam a ponto de romper contrato. Aquilo que era para ser atração de horário nobre estava perdendo audiência para canais religiosos e de venda de produtos miraculosos, como a cinta que faz você emagrecer 30 quilos em um mês. E corria um boato na emissora que a cabeça de Otelo, o diretor do programa, estaria a prêmio.

- Não podemos continuar com esse programa do jeito que está, Otelo! A audiência está despencando, os patrocinadores querem nos comer vivos e ainda falta mais da metade do programa. Ou você arruma uma solução para isto, ou eu demito você e dou um fim nesta porcaria que você chama de reality show.
- Também não é assim, há 10 edições que o programa é exibido e sempre fez muito sucesso.
- Durante 60 anos eu também fiz muito sucesso, mas chegou uma hora que broxei. O ibope do programa está igual o meu pau. Não há Cristo que o faça subir.
- Senhor, até o final do programa a audiência vai subir mais que rojão em festa de São João.
- Pois trate de arrumar um Viagra logo pra essa audiência, caso contrário a única coisa dura aqui será o meu pé na sua bunda.

Otelo saiu da sala do chefe cabisbaixo, pensando em como conseguiria mudar o formato do programa e reconquistar a audiência. Pensou em colocar os participantes num ônibus e fazer um programa itinerante pelo país, mas isso já havia sido feito por outra emissora. Pensou em colocar alguns famosos juntos na casa, mas isso também já havia sido feito. Pensou até em colocar alguns animais, mas nada era novidade. A televisão estava saturada. E Otelo também estava ficando saturado de tudo aquilo.

Chegou em sua casa e se trancou no quarto, procurando uma alternativa nunca antes utilizada na TV brasileira. Sua atual esposa Mariana, 20 anos mais jovem e participante da primeira edição do programa, pouco poderia lhe ajudar. Mariana era desprovida de plenas faculdades mentais. Era incapaz de mascar chiclete e passear com seu cachorro pela orla da praia, ao mesmo tempo. Otelo sofria com isso, mas gostava de exibir Mariana nas festas importantes.

- Otelo, você nem falou comigo. Te esperei pra jantar e você se tranca no quarto?
- Mariana, estou trabalhando. Pode jantar que depois eu como alguma coisa.
- Por quê? Você comeu na rua, é? Otelo, você está me escondendo alguma coisa? Quem é a galinha?
- Mariana, a única galinha que eu como é a que a Dora cozinha aqui em casa. Ele pensou em dizer - E você, mas achou que aquilo acarretaria uma discussão de relacionamento não apropriada para aquele momento.
- Tá bom então. Vou sair com a Ju, a Cá e a Bia. Qualquer coisa me liga.
- Ok. Outras galinhas. Onde fui me enfiar, pensou Otelo.

Por outro lado, ele gostava de comer aquela galinha. Como ele mesmo dizia, quem gosta da mulher por causa do cérebro é zumbi. Mas ele precisava esquecer por um momento a galinha da Mariana e retomar o pensamento no reality show. Foi então que Otelo teve uma idéia:
- Já utilizaram animais em reality shows. Também já utilizaram mulheres vulgares e apelos eróticos. Agora, nunca utilizaram a combinação de um com o outro.
Otelo ligou seu notebook e redigiu um email para seu chefe, com a alegria de uma criança que acabara de descobrir que seus dedos enrugam no banho.

- Otelo, você deve estar louco!
- Não senhor Armando. Os telespectadores que estão loucos. Estão loucos por novidades. Tudo já foi mostrado na televisão em horário nobre: beijo gay, pinto, bunda, boceta, chupeta, entre outras coisas. Porém, nunca antes na história da televisão mundial foi mostrado relações de amor com animais irracionais.
- Zoofilia, não é?
- Olha chefe, não propriamente dita. Pode ser só a insinuação. Por exemplo, na prova do líder, ganha aquele que conseguir masturbar um porco e fazê-lo gozar por mais tempo. Na prova do anjo, vence quem agüentar mais bicadas de galinha nas genitais, e por ai vai.
- Você é maluco! Realmente acha que isso dará certo?
- Chefe, procure na internet por vídeos assim. Você verá que o número de acessos é muito maior que os números de vídeos pornôs convencionais. Como eu disse, tudo já foi mostrado. Agora é isso ou pedofilia.
- Credo e cruz, nem me diga esta palavra! Otelo, vamos fazer um teste. Você coloca uma prova dessas daqui dois dias, que é dia de prova do líder. Se o ibope aumentar, você continua com esta sandice até o final. Se continuar igual, você é demitido. Se cair, eu te mato. Entendido?
- Chefe, o senhor não vai se arrepender.
- Espero que nem você.

Otelo só tinha um desafio agora: convencer o patrocinador de que aquilo daria certo.
- Mas Otelo, nós somos os maiores distribuidores de frangos do país. Isso vai queimar nossa imagem.
- Claro que não. Você ainda pode criar o slogan “Nossa galinha é tão boa que dá pra comer mesmo sem fome”, o que acha?
- Preferimos não correr o risco.
- Então façamos assim: daqui dois dias, na prova do líder, vocês não divulgam a marca e eu arco com as despesas. Se o ibope subir, vocês continuam o restante do programa.
- O dobro do ibope ou nada?
- Fechado.

Eis que chega o dia da prova do líder:
- Salve salve meus grandes heróis da nave mãe!
Em uníssono, como grandes marionetes, todos respondem ao apresentador:
- Oi Pascoal, boa noite.
- Tudo pronto para a prova do líder?
- Siiiiim.
- Então bora lá pro lado de fora da casa!
Do lado de fora, camas montadas, luz baixa e pétalas de rosas. Cada cama com o nome de um participante respectivo. Ao lado da cama, gaiolas com diversos animais: galinha, cachorro, gato, cabra e porco.
- Cada um em sua cama e eu vou explicar como funciona a prova.
Cada participante já estava em seu posto, apreensivo com aquela que era uma das provas mais importantes do programa, que garantiria mais uma semana na casa.
- A prova é a seguinte: Cada um de vocês tem aí ao lado uma galinha, um cachorro, um gato, uma cabra e um porco. Você tem que escolher um desses animais para dividir a cama com vocês. Não pode deixar o animal escapar e nem trocar com o colega. Aliás, não pode ter contato algum com os outros confinados, apenas com os animais. Vale qualquer coisa para manter o animal na cama com vocês. Só não pode deixá-lo escapar. Cada vez que tocar o sinal, vocês terão que trocar de animal. Aquele que deixar o animal escapar ou tiver contato com outro participante, é desclassificado.
- Pascoal, posso fazer uma pergunta?
- Claro Dany.
- Vale qualquer coisa mesmo para manter o animal com a gente?
Risos.
- Sim Dany. Se bem que com um mulherão destes, nem o mais burro dos animais escaparia.
Mais risos.
- Então vamos começar? Ah, estava me esquecendo... Logo mais a noite teremos mais surpresas ao longo da prova. Até já!
Corta.
- Agora, vamos dar uma olhadinha?

Dany, a mais serelepe, pegou o gato. Enroscou-o em suas pernas e ficou brincando com ele. Junior, um baiano forte que dava aulas de capoeira, se arriscou com a galinha. Ju e Carol também escolheram os gatos. Nathy tentou o porco, mas não conseguiu dominar o bicho por 15 minutos e foi desclassificada. Carlão pegou o cachorro, afinal tinha um canil e seria fácil dominar o bicho, Cris apostou na cabra, que no primeiro instante já cagou na cama toda e Lucas, não muito esperto, também pegou a sua cabra que já havia cagado na jaula, mas se esqueceu que ela não sabia limpar a bunda e por isso também teve parte de sua cama suja de bosta de cabra.

A prova começou tediosa, os participantes não podiam conversar entre si e estavam brincando mudos com os animais. Apenas Dany, a mais safada de todas, deixava o gatinho arranhar sua calcinha e recriminava-o, como se o gato tivesse ciência do que fazia. Não demorou muito e o ibope do pay per view começou a subir. Foi quando Otelo disse: - É a hora.
No telão instalado no quintal da casa começou a passar vídeos de sexo explícito. Isso estava excitando os participantes. Foi quando a sirene tocou. Danny logo trocou seu gato por um cachorro que, sentindo a excitação de Danny, passou a cheirar sua boceta. Aquilo provocou tamanha excitação na moça, que não hesitou em afastar a calcinha para sentir aquele focinho gelado. Ju optou pelo porco e Carol arriscou com a galinha. Junior trocou a galinha pela cabra. Ele sabia da fama das cabras no interior, mas permaneceu discreto, como se nada tivesse acontecendo. Carlão trocou o cachorro pelo porco, Cris pegou um cachorro e Lucas apostou no gato. Foi quando o apresentador Pascoal entrou ao vivo, causando surpresa nos participantes excitados.

- E aí meus guerreiros, estão mais a vontade?
- Pascoal, essa cabra cagou na minha cama, disse Cris.
- Cris, as cabras fazem isso mesmo. Se quiser uma cama limpa é só sair da prova e entrar na casa.
- Não Pascoal, tá bom aqui.
- E você Dany, gostou mais do cachorrinho.
- Ah Pascoal, você sabe que eu gosto de um cachorro, né?
- Sei sim... Então meus queridos, a partir de agora, vale tudo. Só não vale deixar o animal escapar e nem conversar com o colega. De resto, estão liberados. Fui!

Sai Pascoal, e voltam as cenas de sexo explícito. Agora, intrigando ainda mais os participantes. Dany já tinha se acostumado com o focinho do cocker em sua boceta, e como valia tudo, ela decidiu afastar ainda mais a calcinha, deixando toda a boceta à mostra. O cachorro passou a lamber a boceta de Dany. Na velocidade em que ele cheirava e lambia aquela boceta carnuda, o ibope subia. Nisso, Junior já estava alisando a bunda da cabra. Pobre cabra! Aquele baiano de 1,95 metros tinha fama de ser bem dotado. Com uma mão ele alisava a bunda da cabra, com a outra segurava seu mastro, ainda por baixo da bermuda. Carlão também se acostumou fácil com o porco, porém segurava o pinto do porco fazendo-o gemer. E aquilo parecia que excitava Carlão, muito mais do que ver as meninas rebolando pela casa. O cachorro de Cris já estava excitado vendo aquilo. E ela, vendo aquele membro vermelho, começou a masturbar o cachorro. Lucas, tímido, só deixava o gato lamber seu dedo.

Foi quando o ibope começou a subir como nunca. 62 pontos naquele horário era um marco histórico. Otelo mal se agüentava de tanta felicidade, e teve a brilhante idéia: - Toquem a campainha ininterruptamente.

Os participantes não sabiam o que fazer. Todos queriam a liderança e o 1 milhão de reais. Colocaram todos os animais ao mesmo tempo na cama.
Era a Dany segurando a galinha e o gato, enquanto o cachorro comia o porco. E ela ainda chupava a cabra. Carlão deixou a galinha escapar, mas não foi desclassificado. Otelo queria mesmo ver o circo pegar fogo. A essa altura, Carlão já metia seu pau na cabra, segurando o gato em um braço e uma mão no pau do cachorro, enquanto o porco mandava ver. Ju e Carol tentavam ajudar uma a outra, com a certeza de já estarem desclassificas, mas o que valia era a farra. Foi quando o (in)esperado aconteceu: Cris saiu de sua cama e beijou Lucas, que comia o cachorro. Dany saiu de sua cama e levou junto o gato, que lhe lambia a boceta, enquanto ela enfiava o dedo no cu de Carlão. Junior chamou a eliminada Nathy para a festa e fez ela ficar de pernas abertas e boceta a mostra para que seu cachorro a penetrasse, enquanto ele enfiava a geba no cão. Ju e Carol já estavam em um 69 sincronizado, com os cachorros tentando de alguma forma boliná-las. Uma sodomia instaurada naquilo que era pra ser mais uma prova sem graça de liderança, no reality show.
E o ibope subia, provocando em Otelo muito mais gozo que em todos os participantes do programa juntos.

O celular de Otelo tocou. Era o Senhor Armando.
- Parabéns seu puto. Eu sabia que você era doente, mas nem tanto.
- Qualquer coisa pelo ibope, chefe,

Otelo voltou pra casa feliz. Amanhã era dia de pensar em outra novidade para o reality. Mas, por hora, ele só pensava em uma coisa: Comer sua própria galinha, a Mariana.





sábado, 25 de dezembro de 2010

O casulo

Chamava-se Butterfly. Quem lhe deu o pitoresco nome foi o pai, um excêntrico engenheiro, projetista de aeronaves, que sumiu no mundo quando ela contava cinco anos de idade. Um ano depois, a mãe suicidou-se. Foi criada pelos tios desde então. Tornou-se uma jovem esquiva, pouco comunicativa, que ficava boa parte do tempo trancada em seu quarto lendo, ouvindo música e divagando em elucubrações. No dia em que completou dezesseis anos, formou-se um conselho de família. Tio Heitor, grave como o tuberculoso histórico que era, decretou: “Deve se casar. Casando, se endireita!”


Ela, miúda, magrinha, rosto muito pálido, jamais dera pelota ao sexo oposto. É bem verdade que foi mantida reclusa durante toda a infância, estudando em internatos de meninas e criada sob os olhares de mordomos, babás, motoristas. Mas agora, diante dos partidos que se apresentavam, demonstrava a mais patética e aterradora indiferença. Com um rapaz loiro, de rosto corado, filho de um industrial, chegou a ser taxativa: “Agradeço seu interesse, mas as coisas que você me diz definitivamente não me importam”.


Tal comportamento, que parecia resoluto e definitivo, desesperou a família. Tia Cassilda, a mais progressista daquela família conservadora, propôs o que lhe parecia uma solução, após fazer suas constatações: “Prendemos demais a menina. Acho que chegou a hora de deixá-la caminhar com as próprias pernas”. Na falta de saída melhor, resolveram “entregar nas mãos de Deus”. Organizou-se uma agenda social para Butterfly. Passou a freqüentar festas, inicialmente na companhia das primas. Cortejada pelos rapazes, continuava a esnobá-los, porém agora com encenada simpatia e divertida curiosidade. Permitia sua aproximação, dançava com eles, para depois desprezá-los, aturdi-los e humilhá-los com um requintado ar de desinteresse.


O tempo foi passando, a família já aceitava a idéia de mandá-la a um convento. Um dia, saiu para passear com as primas, caminhavam pela orla da praia. Viram, caído na calçada, um mendigo. Seu rosto adquirira um tom esverdeado, os cabelos eram cinzentos e imundos, os trapos esfarrapados que cobriam seu corpo pareciam estar se desfazendo. As primas, com asco, apertaram o passo, mas ela se deixou ficar, fascinada, olhando aquele pobre homem. Foi preciso que a puxassem e ela, já longe, ainda virava o pescoço para trás, olhando aquela criatura como se fosse um anjo que a chamasse. Nos dias seguintes, se apresentou mais silenciosa do que já era. As tias julgaram que perdera de vez o juízo. Num sábado, quebrou o silêncio: “Quero exercer minha verdadeira vocação. Quero ajudar as pessoas”. Não se opuseram. Comprou-se um grande carro, alugou-se uma casa. Escolheram o nome, que mandaram gravar numa placa: “Lar de Desvalidos ‘São Judas Tadeu’. Ia pessoalmente ver os internos, pessoas sem família que recolhiam das ruas, onde antes viviam doentes, esfarrapadas, fodidas.


Mudou. Tornou-se, desde então, radiante. Os tios se chocaram quando, durante um jantar, contou uma anedota. Era uma coisa inimaginável, logo ela, que nunca sorria, que não achava graça em nada. Achavam, positivamente, que ela tivera sua epifania na caridade. Deixaram de importuná-la com preocupações de casamento. Todas as tardes ela passava no abrigo e, um dia, chegou à casa acompanhada por um rapaz, muito alto e distinto. Os tios a tudo assistiram pela janela. Perguntaram quem era e ela respondeu: “Um amigo. Tem me ajudado no abrigo”. Não fizeram mais perguntas. Todos os dias, porém, o amigo a trazia em casa e, um dia, foi convidado a entrar e jantar com a família. Acharam-no formidável, educadíssimo. E nitidamente apaixonado por Butterfly. Contrariando todas as expectativas, quando lhe sugeriram que ele daria um bom marido, Butterfly acedeu. E noivaram. Um ano depois, se casaram com todas as pompas esperadas. Não partiram para a lua-de-mel: Butterfly não queria se afastar do abrigo. Achando que ela progredira demais, que era outra mulher, preferiram não discutir. O próprio marido, um anjo de candura, concordou. Faria-lhe todas as vontades.


Foram da igreja para casa, e ela causou-lhe a primeira frustração: alegando muito cansaço, deitou-se na cama e dormiu. Apaixonado e paciente, ele não insistiu. Teriam a vida toda. No dia seguinte, a mesma coisa: “Trabalhei o dia todo, atendemos um leproso no abrigo. Não tenho cabeça para isso”. Na terceira noite, ele se doeu. Alguma coisa não lhe cheirava bem. Deitou-se junto a ela, tocou-lhe o seio. Ela deu um berro aterrador, que lhe paralisou:


“Não me toque! Eu te proíbo! Você não me tocará nunca, está ouvindo? Nunca!”


Ele entrou em desespero. Não sabia o que fazer. No dia seguinte, trancou-se à chave com Tio Heitor, Tia Cacilda, Tia Amélia. Relatou-lhes o que acontecera aos recém-casados. Tio Heitor resmungou um palavrão. Dirigiu-se a ele:


“Tenha santa paciência! Você dorme com a minha sobrinha na mesma cama e não consegue despertar nela o menor desejo? Que tipo de homem é você?”


Quase botou-lhe pra fora, aos pescoções. No fundo, não queria mais nem ouvir falar daquela sobrinha. A partir do momento em que disseram “sim” no altar, aquele pepino deixara de lhe pertencer. Tia Cacilda, sempre mais sensível aos problemas dos outros, foi ter com ele à porta:


“Calma, Carlos. Minha sobrinha é diferente das outras moças, você bem sabe. Trabalha com ela no abrigo, deveria saber já disso...”


Ele a interrompeu, surpreendido:


“Trabalho com ela no abrigo? Quem lhe disse isso? Jamais estive nesse tal abrigo. Conheci Butterfly na rua, quando despencou do céu um aguaceiro e eu corri a acudi-la com meu guarda-chuva.”


Só então Tia Cacilda deu-se conta: conheciam muito pouco aquele rapaz, e a pequena mentira contada por Butterfly sobre a origem da relação dos dois não lhe cheirava bem. O que a garota poderia esconder? Tia Cacilda finalizou a conversa dizendo que tudo ia se resolver e voltou para o interior da casa, com o rosto muito grave, pensando numa série de possibilidades.

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Irritado com a infrutífera conversa que tivera na casa da família da esposa, Carlos esperou que ela se recolhesse. Como todas as noites, no escuro, ela despiu-se e vestiu a camisola. Deitou-se. E então aconteceu: Carlos a agarrou, arrancou suas roupas e as dela. Aquele rapaz, sempre tão cortês, doce, transfigurava-se no monstro. Ela quis gritar, uma mão sufocou sua boca. Em seguida, empurrou sua cabeça em direção ao baixo-ventre, obrigando-a a iniciar a felação. Uma péssima idéia. Butterfly, bicho feroz, mordeu-lhe o pau. Ele soltou um grito lancinante, sua visão ficou turva. Ela aproveitou para correr e trancar-se no banheiro. Lá ficou a noite toda. O incidente demoveu Carlos de futuras tentativas. Com o caralho inchado e dolorido, passava os dias parado na repartição em que trabalhava, o olhar perdido, a mente longe. Amava Butterfly com todas as suas forças, mas agora tinha certeza de que a recíproca não era verdadeira. Tinha para si, agora, que fora usado para fins escusos, para ludibriar a família, a sociedade, o diabo. Resolveu ir ao abrigo comunicar à esposa que não toleraria aquela situação.

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Era tarde quando chegou ao lar dos desvalidos. Todos os funcionários haviam partido. Porém, ele tinha uma cópia das chaves, que mandou fazer à revelia de Butterfly e que um dia poderiam ser úteis. Foi abrindo as portas que davam acesso à ala dos internos. Ouviu, do corredor, gemidos. Imaginou que um casal de mendigos estivesse fornicando, embora as alas dos internos fossem separadas por sexo. Curioso, dirigiu-se para o lado onde ouvia as vozes e estacou, petrificado. Reconheceu a voz de um dos gemidos. Por um instinto mórbido, quis se certificar. E viu, pela janelinha da “cela”, deitados na cama, Butterfly e um homem. Devia ter mais de sessenta anos. Tinha os cabelos desgrenhados, barba grande, o corpo de uma coloração bege-escura. Carlos colou o rosto naquela passagem e viu, nítido, o grosso cacete ensebado e cheio de marcas do ex-morador de rua invadindo a delicada vulva de sua mulher. Ficou sem ar, caiu de joelhos, ofegando.


Em casa, na companhia da mulher que agora sabia adúltera, ficou taciturno. Não dirigiu-lhe palavra. Dormiam em quartos separados desde a tentativa de castração. Vez por outra, durante o jantar dessa noite, fitava-a com ódio. Ela captou sua fúria, mas não tinha coragem de lhe dizer nada.


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No dia seguinte, pediu a um amigo de confiança que lhe indicasse um detetive. Queria saber tudo o que a mulher fazia: onde recolhia os mendigos, se mantinha relações com eles apenas no abrigo, se tinha outros amantes na rua. O detetive, daqueles de estórias em quadrinhos (só faltavam-lhe a lupa e o cachimbo), tinha seu marketing mais forte justamente no esteriótipo. Apareceu duas semanas depois com os resultados. Disse ao contratante:


“Amigo, eu já vi de tudo nessa vida, nessa minha profissão. Mas sua mulher me deixou besta. Já diria o profeta: o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão. Acho que o apocalipse está chegando aí, pra transformar as putas em santas e as santas em putas”.


Estendeu-lhe um envelope com fotos.


“Deposita o restante na minha conta. E, precisando de algo mais, pode me procurar”, frisou o investigador, antes de apertar-lhe a mão e sair.


Sozinho na repartição, ele tinha medo de abrir o envelope. Seu coração ia à boca. Afinal tomou coragem, quase rasgou o invólucro, alucinado, febril. As imagens, num turbilhão, invadiram seus olhos com matizes de pesadelo. Eram fotos de sua mulher, sua linda, pálida e pequena mulher, com os tipos mais esdrúxulos. Mendigos da mais decadente precariedade. Um mecânico negro, caolho, sujo de graxa. Um tipo esquálido, com cara de retirante, avental de uma peixaria. Um perneta. Um jovem com síndrome de down. Um anão. As primeiras fotos eram flagras dela passeando publicamente com os sujeitos, entrando ou saindo de edifícios. As últimas, que o detetive astutamente deixou para o final naquela seqüência, como se fora um álbum de terror, eram provas cabais: sabe-se lá como, fotografou Butterfly no coito com alguns dos amantes.


Ele ficou um tempo paralisado, o olhar perdido no nada. Então voltou a si. Tirou da gaveta o revólver. Da rua, ouviu-se o estampido.

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Ao saber do ocorrido, Butterfly correu ao hospital. Os tios a olharam com nojo: tio Heitor tinha no bolso o envelope com as fotos, encontrado sobre a mesa do suicida. Ela se dirigiu ao quarto, na porta encontrou um médico, que lhe explicou:


“A bala atravessou-lhe a têmpora. Não morreu por milagre. Mas... nunca mais será o mesmo. Lamento”.


Invadiu o quarto. Chorou diante do infeliz marido. Ficou ao lado dele durante todo o período em que ficou em coma. Muitas semanas depois, levou-o para casa, numa cadeira de rodas. Estava em estado vegetativo, babava. Ela lhe dava banho, lhe dava de comer, limpava seus excrementos, com um lenço ia recolhendo a saliva que lhe escorria pelos cantos da boca. Enfim o amava.


Por Rafa Gimenez.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Corpo a Corpo

Um Romeu e Julieta dos novos tempos. Com menos glamour, uma família mais numerosa, formada por correligionários, mas o pano de fundo nos remete ao romance Shakesperiano.
Nilma, uma mulher forte, autoritária e viúva. Bem nascida, ingressou na política durante o Golpe Militar e tomou gosto pela coisa, se tornando referencial no país. João, um homem pacato, casado e pai de dois filhos adultos. De origem pobre, se tornou militante estudantil na década de 60, quando ingressou na faculdade. E lá a conheceu.
Viveram um romance tórrido. Entre um protesto e outro, a ditadura endurecia mesmo. Ficaram conhecidos como “casal do golpe de 69”.
Quando as coisas ficaram difíceis para os jovens políticos, ele foi para a Itália. Ela, que sempre teve uma personalidade mais forte, ficou no Brasil e acabou sendo presa. Trocaram seus nomes, perderam o contato e nunca mais se ouviu falar no “casal do golpe de 69”.
O tempo passou e, 30 anos depois, o destino deu conta de promover o reencontro, porém em lados opostos da política. Agora já era tarde: partidos rivais, líderes inimigos e ideais diferentes. Estavam tão diferentes que, a primeira vista, não se reconheceram. Porém o insensato destino guiou-os pelo caminho da eleição presidencial e promoveu o reencontro no primeiro debate em TV aberta. Nilma não acreditou no que seus olhos viam. O olhar cansado e a careca lustrosa em nada lembravam aquele jovem João de 30 anos atrás. E João, fitando os olhos naquelas ancas largas e seios fartos, não acreditava que a Nilminha que deixava a dita-dura estava ali, na sua frente. Lembraram dos tempos de militância juvenil, que sempre terminava em sexo. De companheirismo e reciprocidade política e sexual. E agora estavam ali, em lados opostos, buscando um prazer individual.
Cumprimentaram-se com um beijo seco, mais um toque de bochechas que propriamente um beijo. Afinal, o que seus companheiros de partido fariam se soubessem que eles tiveram um caso de amor? Limitaram-se ao discurso pronto, com farpas para todos os lados. Mas não deixaram de pensar um no outro, nem por um minuto. Entre uma réplica e uma tréplica, João se lembrava daquela menina rebelde rebolando no seu pau e gritando palavras de ordem. Nilma era uma porra-louca mesmo, ele sabia disso. Da mesma forma que era politicamente ativa, o era no sexo. Ela tomava as decisões e manuseava seu pau como ninguém. Assim como protestava altivamente no microfone, chupava com maestria o microfone de João. Ele, meio tímido, mas não menos ativo, também gostava de dominar a situação. Puxava Nilma pelos cabelos para trás de qualquer palanque e fodia intensamente, como se aliviasse ali sua revolta com o sistema.
E agora estavam frente a frente, sem poder se tocar. João mal conseguia se concentrar nas perguntas e, antes do final do primeiro bloco do debate, já estava com seu membro rijo, em ponto de bala. Nilma lançava-lhe um olhar perverso, que ele conhecia muito bem, e o instigava cada vez mais. As respostas começaram a sair desconexas, os membros dos partidos não entendiam como aquele debate tinha descambado para assuntos pessoais e fora do contexto. Nilma sabia bem como provocar João, só não sabia que o tempo fora do país o tinha tornado um homem mais selvagem que aquele garoto de trinta anos atrás. Foi quando no terceiro bloco de perguntas, o inacreditável aconteceu. Cada candidato faria uma pergunta com tema livre. Trinta segundos para a pergunta, um minuto e meio para a resposta, um minuto para réplica e um minuto para a tréplica. Segundo sorteio realizado, João começaria perguntando:
- Nilma, em um minuto e meio, você é capaz de me fazer gozar como antes?
Todos estarrecidos na bancada. O cronômetro zerou os trinta segundos. Contagem regressiva para um minuto e meio. Nilma, com toda sua classe, chegou à frente de João, baixou suas calças e começou a chupar com maestria. A platéia se calou. Nilma lambia, enchia a boca e largava rápido, olhando para o cronômetro. Zerado o um minuto e meio, João confessou que a candidata quase cumpriu seu papel, mas era hora da réplica. João colocou-a de quatro na bancada e começou a comê-la ali. Puxava seu cabelo e enfiava com força, como não fazia há tempos. Na hora da tréplica, Nilma se lembrou de como eram conhecidos na época da Ditadura: “Casal do Golpe 69”. Um minuto de meia nove e um país inteiro estarrecido.

A emissora de televisão saiu do ar e ambos foram expulsos dos partidos, não por terem fodido em rede aberta, mas por se esquecerem que era pra ter fodido com o povo Brasileiro.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Sexo Tradicional*

* O conto que você lerá a seguir é de autoria de Letícia Soares, autora convidada que o "Estórias Gozadas" agora apresenta. Para ter seu texto publicado neste espaço, envie e-mail para o endereço: estoriasgozadas@gmail.com


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- E daí, que era tudo fantástico assim, sabe? Era uonderful, como ela dizia. Às vezes gostava de falar essas coisas em inglês, sei lá o por quê disso. Gritava uns “Fãqui mi, Fãqui mi rard”, que eu não entendia era bulhufas, mas me dava um tesão filhadaputa. E eu comia de tudo que era jeito. Metia na frente, atrás, de lado, por cima, de costas, menstruada, no cio, de tudo o que era jeito. E ela implorava “ieeees, iesss, mais, móri, móri”, e eu ficava pensando: Quem vai morrer sou eu... E gozava. Fiz coisas que nunca antes fazia. Sério mesmo. Um dia, cheguei em casa e a peguei pelada na cama lambendo outra mulher. Gritei: Meu Deus, que é isso? E ela levantou a cara toda lambuzada, deu um sorriso maroto e disse: “Desculpa, não deu pra te esperar, mai Love”. A mulher era perfeita. Tudo o que existe em matéria de trepar, ela sabe fazer. E eu acabei aprendendo foi tudo. Até hoje não sei como uma mulher assim, das finas, foi querer ficar comigo. Acho que esse meu jeito brutão meio que atrai as fêmeas. Sei lá. Só sei que nunca mais na minha vida vou comer algo como ela... Um cuzinho tão perfeito, uma boca tão perfeita, o jeito mais perfeito de ficar se remexendo debaixo de mim. Todo homem que se diz homem de verdade, precisa e muito de uma mulher daquelas... Achei até que estava me apaixonando. Até que tudo aconteceu...



- O quê? Tudo o quê? Sério, cara, você me conta de uma foda maravilhosa dessas e espera que eu compreenda por que não está mais com ela? A mulher topava tudo!


- Tem razão, tudo mesmo. Fizemos sexo de tudo que é jeito. Transamos até dentro do porta-malas do carro. Mas daí aconteceu... De um dia, eu chegar no apartamento dela e ter um jantar lindo e tudo mais assim. Umas comidas super engraçadas, um tal de charuto de repolho. Fiquei meio sem graça de comer, porque aquilo parecia mais um cacete, mas no fim, era gostoso e eu comi uns sete. E depois do jantar, ela me acariciou debaixo da mesa e me chamou pra fazer a digestão no quarto.


- Ai, que maravilha, ainda sabe cozinhar? E você não está mais com ela????


- Não mesmo e o problema foi mesmo o tal jantar. Daí que claro, topei a tal digestão a dois na hora. Falei: vou colocar meu supositório pra você se aliviar, e ela deu uma risada rouca “ieess”. E no meio do vai e vém, aquela coisa maravilhosa, comecei a sentir assim uns arroubos no estômago. Acho que era pedir demais para sete coisas com repolho se mexendo vigorosamente dentro de você não fazerem efeito, né? Tentei me concentrar o máximo que pude nos seus gemidos, na sua bundinha empinada, no suor e algo mais escorrendo pelas pernas dela, mas numa certa hora, não deu mais. Soltei um pum. Mas não foi um punzinho não... Foi um peido fedorento daqueles mais feios que bater na mãe em dia de sexta-feira da paixão. Não tinha nem como disfarçar. Eu praticamente me caguei.


- Puuutz, cara... Compreendo tudo agora. Nossa, que merda, hein? Literalmente. Foi por isso, claro, que ela te deixou.


- Não, não... Fui eu que decidi largar dela.


- O quê???? Quer dizer que ela ainda conseguiu perdoar toda a bosta, literalmente, que você fez?


- Não só perdoou como, na hora que sentiu o cheiro, se inclinou toda pra trás e gritou: “ISSO, MAI LÓVE, AGORA CAGUE EM MIM, CAGUE... IEEEES...” E foi daí que eu decidi acabar tudo. Porque sei lá, acho que pra mim, algumas coisas tem que seguir o tradicional, saca? Eu sou meio antiquado...


Por Letícia Soares