sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Eu tenho Fé

Era uma quarta-feira de outono, mas não fazia frio por incrível que pareça. Ele pegou seu carro e começou a procurar o que fazer na noite paulistana. Ele começou a rodar pelo centro da cidade, olhando com o rabo do olho a fauna noturna para ver se tinha algo a ser feito. Precisava ser feito, aquela era uma noite especial para ele. Antes que se desse conta, havia começado um pequeno engarrafamento nos arredores da Haddock Lobo. Discutia negócios com uma moça de pernas grossas e cabelos loiros, escondida em um canto não-iluminado. A voz sedosa e os seios fartos foram o elemento vencedor no negócio. Kátia. No caminho para o motel-abatedouro, cantarolava na cabeça a música de Fausto Fawcett, imaginando como seria uma calcinha que afundasse um navio de guerra inglês na Guerra das Malvinas.
Mas outra coisa acabou chamando a atenção no caminho até o ponto onde a noite se consumaria: no sorriso da moça, ele notou um queixo prolongado que a escuridão encobria. Passou a mão em sua coxa esquerda como parte da preliminar, para aquecer os motores. Sentiu uma aspereza não muito comum naquela área, mesmo porque ele nunca ouviu falar de uma prostituta que usasse meia-calça no exercício da profissão. Sabia disso porque primeiramente, nunca viu uma puta de meia-calça. E porque se lembrava daquele episódio da Família Dinossauro onde o réptil-pai dizia que a punição para a mulher entrar nas regras morais de sociedade seria a meia de nylon.
Conforme os semáforos iam passando, o sorriso e a lascívia do motorista mudavam para uma expressão taciturna, compenetrada, como se estivesse no lugar daquele piloto do Top Gun do começo do filme onde ele tenta guiar seu F-14 para a pista do porta-aviões no meio da tempestade na alvorada. Ela sentiu a vibração e também refreou-se em seus comentários. Ambos entraram no piloto automático e seguiram para seu inexorável destino.
Chegando no quarto, que se resumia a uma cama e um criado mudo (além do emblemático televisor com circuito fechado de pornografia), ele teve uma chance melhor de ver o que havia alugado por alguns momentos. Ela era morena, tinha a pele bronzeada de sol. Uma tatuagem de beija-flor na omoplata direita. E um pênis. Não havia se assustado. Sabia desde o momento em que passou a mão nas coxas dele/a que havia comprado gato por lebre. A barreira do susto inicial de se deparar com outro pênis na sua vida senão o dele foi superada e ele tentou acionar o seu lado criativo e designer.
Tentou tocá-la depois que ela saiu do banho, mas sem sucesso. Ela não aceitou nenhuma carícia, sequer tocar em seus seios. Limitou-se a empinar a bunda de bruços na cama de casal e dizer “vai, estrupa”, com um português desgraçado. Respirou fundo, pensou na noite que se seguia e fez o que devia. De meia e camiseta, montou em cima de “Kátia”. A ação toda durou pouco mais de sete minutos, tempo mais do que suficiente para o que pretendia.
“Kátia” recebeu seu pagamento pela noite e saiu antes do motel. Ele ficou um pouco mais para honrar a meia-hora padrão dos abatedouros no centro da cidade. Tomou um ar, acendeu um cigarro e limpou o pinto na pia do motel. Dirigiu tranqüilo para casa, desviando das rotas que levavam ao estádio de futebol. Chegou em casa, ligou a tevê. Era a final da Taça Libertadores da América de 2005. Pênalti para o Atlético Paranaense.
- Peguei um travesti sem saber e consegui cumprir o meu ‘dever’. Se eu consegui, ele consegue pegar esse pênalti. Eu tenho fé.
Rogério Ceni pulou no canto e apanhou a bola. O São Paulo Futebol Clube ia para o Japão. E ele nunca mais andou pela Haddock Lobo, fosse de dia ou de noite.

3 comentários:

  1. Parabens!
    Que otimo texto,
    geralmente nao consigo ler ate o final,
    mas a historia me levou ate o seu fim.
    HAHAHAHA, muito bom mesmo!

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  2. Hahahaha...
    História interessante e
    excelente texto!

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  3. Por alguma razão este texto me lembrou do Ronaldinho. haha

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