domingo, 3 de janeiro de 2010

A falecida

Quando Raimundo conheceu Shirley, caiu de amores imediatos por ela. Não era para menos: a morena tinha cabelos pretos, olhos escuros, um rabo fenomenal, seios pequenos que cabiam na palma da mão, como ele gostava. Viu-a dançando agarradinha com um sujeito no forró, o sujeito tinha cara de estar maconhado, ou qualquer coisa do tipo. Assim que terminou a música, puxou-a pelo braço. O outro quis protestar - “ei!” – mas já estavam do outro lado do salão. Raimundo disse “você só sai daqui comigo hoje” e, efetivamente, assim aconteceu. Namoraram e casaram-se, tudo em menos de um ano. Se durante o namoro Raimundo ainda ia com Shirley ao risca-faca, onde tomavam cerveja e dançavam, depois de casados se tornou um marido tremendamente opressor. Não deixava a mulher botar o pé pra fora, nem fofocar com vizinha – mexeriqueiras do cão! – nem ir ao supermercado sozinha. Deixava-a ir, sob mil recomendações, à casa da mãe, também no bairro, para onde telefonava de cinco em cinco minutos a fim de saber se ela estava lá. Tanta desconfiança, na cabeça de Raimundo, tinha procedência: a mulher não era flor que se cheirasse. Ele sabia. Na sua terra, vadia é pra se comer, mulher decente para se casar. Mas Raimundo não sabia explicar a ninguém o que o levara a quebrar aquele mandamento. Só sabia que a morena era um fenômeno. Deixava-o doido na cama, como nenhuma outra conseguiu. Logo na primeira noite, enquanto se despia para ele, passou a língua nos dentes – ela tinha todos os dentes – e disse coisas impublicáveis, que ele não ouvira nem nos lupanares que freqüentara desde garotinho. E um tesão inexplicável o queimava, e se sentia confuso. Comia vadias, sempre comera, mas tinha nojo delas. Usava-as e depois de terminado o ato, queria logo se ver livre delas, pagava o quarto, saía batido. Proibia as putas de falarem palavrão pra ele e uma vez agrediu uma que o chamou de filho-da-puta no auge da ação. E agora estava ali, Shirley de quatro em sua frente, gritando “me fode, filho da puta, enfia esse pauzão em mim”, e ele mandando ver, cada vez mais rápido, mais forte, mais brutal. “Me bate”, e ele batia. “Bate forte, porra”, e ele batia com vontade, marcando as nádegas da mulher. “Mais forte, mais forte, bate que nem homem”, e ele batia com toda a força, e sentia um vigor imenso, e em seguida caía desfalecido, o pênis melado e esfolado.

Era feliz com aquela mulher e acreditava que a colocaria nos eixos. Mas Shirley, evidentemente, não estava feliz. Mais do que o sexo, a luxúria para ela era se exibir. Gostava de sair na rua e sentir os homens a olhando, a comendo. Seu maior prazer, desde que começou a ganhar formas de mulher, era descobrir sempre uma maneira nova de desejo se apresentando diante dela e verificar que o grupo de homens que a devorava com os olhos era heterogêneo. Passava em frente ao convento de São Cristóvão e surpreendia, vez ou outra, um frade entortando o pescoço para contemplar sua partida. O frade se ruborizava e saía andando em passinhos apressados. Ela ia para casa e se masturbava, olhando-se no espelho, senhora de todos os desejos dos homens.

Era líquido e certo que um dia a bomba estouraria. E aconteceu no dia em que Raimundo, chegando mais cedo em casa, a pegou na cama com um biriteiro afamado da vila. Ele não teve cabeça pra pensar: partiu pra cima dos dois. O sujeito, rápido e ágil, pulou pela janela, sumiu na rua. Ela gritou, esperneou, quase desfaleceu quando viu o ódio nos olhos do marido. Chorou sentida, porque no fundo amava o corno. Mas era tarde. As mãos apertavam mais e mais seu pescoço, ela sentia a visão se escurecer e ir apagando aos poucos, como uma luz dimerizada. Morreu nos braços dele, que não tinha forças pra chorar nem pra fugir. Sua vida acabara. Tratou de dar sumiço no corpo.
--------------------------------------------------------------------------------------

Dois anos depois, Raimundo estava novamente casado. Renilda, 24 anos, evangélica, casou com ele cabaço. A virtude personificada. Não gostava da rua, ficava apenas em casa, arrumando as coisas, cozinhando, vendo tevê à tarde. Raimundo jamais chegara a esquecer Shirley, mas convencera-se de que dera um passo em falso ao se casar com uma dissoluta. Uma mulherzinha sem-vergonha, dissimulada, traindo-o com um porqueira em sua própria cama. Fizera bem em esganá-la, era cabra macho. Pensava tudo isso tentando amenizar a consciência e desviar o foco de uma questão que era insuportavelmente incômoda: com Renilda, mal conseguia gozar. Ela deitava na cama, abria as pernas e mantinha no rosto uma expressão impassível, de quem estava ausente de tudo, como se não estivesse sentindo ou vivenciando coisa alguma. Não era incomum que, diante de tão mórbida passividade, Raimundo broxasse. Aquilo para ele era a morte. Nunca antes broxara em sua vida, nem com as putas que tanto desprezava. Tentou de tudo: gemada, catuaba, amendoim. Nada adiantava. Um dia, não sabendo mais a quem recorrer e já meio breaco, pediu conselho a um amigo na mesa de sinuca. O outro ouviu o relato da situação e disse: “Rapaz, tua mulher faz o que? Te chupa? Te dá o furico? Ou vocês ficam só no papai-e-mamãe?” e ele respondeu que Renilda é uma mulher séria, que com ela não rola essas sacanagens não e que é assim que deve ser. “Mas é isso, rapaz”, cravou o amigo, “por isso que tu broxa”. Rotina é o grande anti-afrodisíaco de um casamento, era a opinião do colega.

Ao chegar em casa, Raimundo encontrou a esposa na cama, dormindo, de camisola, ressonando quase imperceptível como era seu jeito de sonhar. Se aproximou devagarinho, ela estava deitada de lado. Empurrou seu corpo para o lado, até que ficasse de bruços, e levantou a camisola até a altura do ventre. Depois, lentamente, desceu a calcinha larga de algodão. Apalpou seu pênis, ainda não estava duro. Acariciou as nádegas da esposa, até que essa acordou sobressaltada: “Raimundo, o que você tá fazendo?”, argüiu assustada. E completou: “Bebeste de novo, foi? Que cheiro horrível de cachaça”. Raimundo desferiu-lhe uma bofetada, deitou-a na cama com a barriga pra baixo e disse “quem manda nessa merda sou eu”. Estava decidido a comer o cu da mulher e resolver de vez aquela brochura medonha que o atormentava desde a morte de Shirley. Mas ao tentar a penetração de pinto mole, o fiasco da empreitada era fato consumado. A esposa violada não tentou qualquer reação, apenas orava baixinho, pedindo perdão a Deus e que aquilo acabasse logo. Minutos depois, acabou. Vencido e arrasado, Raimundo caiu de lado na cama e chorou até dormir, cansado.

---------------------------------------------------------------------------------------

Acordou surpreso quando sentiu a língua da mulher acariciando seu pênis, no meio da noite, assim sem mais. E logo que se deu conta do que estava acontecendo, antes que pudesse dizer qualquer coisa, sentiu o sangue fluindo todo para aquela região e seu pinto renascia, rubro e vivaz, na boca de Renilda. Quer dizer, ele sabia que era Renilda, pois somente ela estava ali, e era seu rosto e seu corpo. Mas parecia mesmo que era outra pessoa ali beijando seu caralho, cuspindo nele e dizendo, com a voz safada “que pauzão, olha como está duro”. Arrancou a camisola dela, colocou-a de quatro – Renilda nunca antes permitira o coito naquela posição – e aproveitou ao máximo aquela ereção que, agora ele sabia, só se findaria no gozo. Não acreditava no que estava acontecendo e sentiu sua espinha gelar quando Renilda lhe disse, olhando para trás e fitando seus olhos: “Me come com força, filho da puta. Mete tudo até o fim, vai”. No momento de gozar, teve a epifania: visualizou perfeitamente Shirley de quatro, sendo enrabada por ele e pedindo leite na boca. Atendeu o pedido, e era a boca de Shirley a que ele lambuzava com seu sêmen, contorcendo-se de prazer num êxtase que ele só conseguia fruir, já que havia abdicado de entender. Quando estava já caído de lado, saciado, olhou para Renilda e lá estava a mulher, o rosto com o olhar perdido além, uma expressão aparvalhada como se tivesse enlouquecido. Dormiu sem sequer se lavar e sonhou com Shirley lhe dizendo que aquela fora a despedida. Que agora ele se acostumasse a ser broxa, ele que já fora corno. E Shirley ria, ria, todos os dentes brilhando.
Rafael Gimenez

2 comentários:

  1. Essa história remeteu-me a Nelson Rodrigues e seus finais espetaculares!
    Adorei!

    ResponderExcluir
  2. Eu nunca tenho nada inteligente o bastante pra comentar... como sempre morri de rir! Final perfeito!!!

    ResponderExcluir