Abre a porta de casa e
espanta-se com o ambiente em penumbra. No ar, um aroma perfumado, adocicado, estranho
ao olfato. Percebe, ao pisar o assoalho, que todo o chão da sala e do corredor
está coberto por pétalas de rosas. Caminha lentamente, desconfiado de que
estejam lhe pregando uma peça. Na mesa, velas acesas, taças e uma garrafa de
vinho. Um bilhete, a letra da mulher: “Tire a gravata, tire a camisa, tire as
calças, venha para o quarto”. Ele para, reflete por um instante: há quanto
tempo o relacionamento esfriou? Fazia meses que não transava com a esposa,
talvez um ano... ou mais? Nada daquilo fazia o menor sentido. Mas que saída ele
tinha a não ser pagar para ver? Ainda cogitou andar de lado, feito um
caranguejo, sair de casa e entrar de novo, para ver se tudo aquilo desaparecia como
mágica, e as coisas voltavam à normalidade. Mas não. Pensou melhor: e se fosse
verdade? Lembrou-se dos primeiros anos de casado. A mulher era jeitosa, a vida
sexual era ótima, existia carinho, compreensão, conversas agradáveis. Não havia
o histrionismo dela, a implicância com pequenas coisas - como uma toalha
molhada em cima de cama, os ciúmes irrefreáveis. Chegou ao quarto e encarou a
cena não sem surpresa: estava ali sua esposa, com quem se casara quatro anos
antes. Com o corpo nu, coberto de chocolate. “Ela enlouqueceu”, pensou. O
interessante é que não sentiu o menor tesão. Só gula. Adorava chocolate, e a
mulher ali, coberta de calda de chocolate, com chocolate até o pescoço,
escorrendo pelos seios, braços, ventre, coxas, panturrilhas, indo cobrir-lhe os
dedos dos pés, inundando o lençol. Ele achou que deveria ter nojo, mas sentiu
fome. Aproximou-se da mulher e lhe lambeu o rosto, única parte onde não havia
chocolate. Achou indigno ir direto ao que interessa, chocar a mulher com a
falta de apetite sexual em detrimento ao excesso de voracidade gustativa. Só
então começou a se fartar de chocolate, lambendo euforicamente o pescoço, o
peito e indo até a barriga, onde parou no umbigo. Ali se deteve por mais tempo,
aproveitando a pasta acumulada na cavidade, e então teve um clique! Havia, sim,
uma reentrância onde o chocolate haveria de se acumular mais abundantemente.
Desceu a boca até lá, e lambeu, lambeu e lambeu mais, até sumir o gosto doce e
sentir o salgado da pele novamente. Virou a mulher de bruços e, com um
movimento frenético de língua, bebeu também o chocolate que tinha ido para o
cu. Aos poucos, lambida toda como uma gata, a mulher foi recuperando a brancura
da pele, mas o marido não se saciava, procurava ainda mais doce para sugar,
lambia a axila, a dobra da perna, a nuca, e comia chocolate misturado com
cabelo, com pelo pubiano, com suor, com muco. A mulher, até então impassível,
sem um gemido, riso ou suspiro, esperou que ele terminasse e caísse exaurido ao
seu lado na cama, rolando no lençol achocolatado, empapuçado e feliz. Então ergueu-se,
caminhou lentamente até o banheiro, deixando um rastro marrom pastoso pelo
caminho, lavou as mãos e o rosto que estavam grudentos. Quando voltou, tinha um
objeto pontudo e brilhante nas mãos. Antes de enfiar a faca no peito do adormecido
marido, ainda fez a observação aborrecida:
- Bolas, eu pedi pra você
tirar a roupa! Sangue, merda, urina, chocolate, mais tarde vou ter que queimar
essa porra toda... Paciência.
Depois de retalhar o corpo,
com uma machadinha, separou a cabeça para colocar num saco. O rosto do marido
estava inteiramente marrom, como a cabeça de um escravo etíope. Teve um ímpeto,
retrocedeu enojada. Mas acabou não resistindo: num solavanco, como se aquele
desejo fosse mais forte do que ela, deu uma demorada e sôfrega lambida na cara
achocolatada do marido decapitado.
Por Rafael Gimenez.
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